quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Conversa com uma estátua

Fui dos que aprendi a ler com o escritor Alves Redol. Ainda hoje tenho saudades das emoções que encontrei nos seus livros. Às vezes apetece-me voltar a um ou outro dos seus romances e tenho medo do caminho de volta. As releituras são sempre complexas e eu detesto quando me vejo a catalogar os meus escritores da idade jovem, neste caso o meu mestre de muitas emoções que ainda hoje marcam a minha segunda pele.
Tenho uma admiração pelo escritor Alves Redol que não foi conquistada na escola, nem em colóquios, nem em homenagens públicas, nem onde se escreve na pedra os nomes que alguém entende que merecem a eternidade. A minha admiração pelo escritor foi conquistada à luz roubada aos meus pais que sempre queriam a luz apagada à noite, foi conquistada página a página, palavra a palavra, numa altura em que descobrir um bom livro era tão importante para o meu futuro como conhecer o Tejo e os melhores lugares para mandar um mergulho sem correr o risco de lá ficar para sempre como aconteceu a alguns dos meus amigos do tempo da idade jovem.
Acho graça à estátua de Alves Redol que homenageia o escritor em Vila Franca de Xira mas não a admiro. Percebo a intenção do escultor que produziu a obra mas não punha a minha assinatura por baixo se me pedissem uma opinião favorável antes da sua instalação num espaço público da cidade.
Quando passo pela estátua, e ás vezes acontece diariamente, pergunto sempre ao escritor se ele se sente bem ali, nu, naquele posto de vigia da cidade. Às vezes nem olho para ele porque a minha interrogação já é coisa mental. E o meu olhar em frente ainda vê melhor a estátua do que se ficasse ali, parado, a perguntar-lhe eternamente ó companheiro o que é que me dizes a esta ideia de te despirem na rua, num tempo em que já poucos te lêem e ainda menos se lembram de ti e da tua obra inigualável?

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

As nuvens que passam


Um dia, já lá vão meia dúzia de anos, falava nisso com um empresário da cidade e chamava a atenção, na minha santa ingenuidade, para o papel que os empresários da região poderiam ter substituindo-se aos bardamerdas de alguns políticos que só sabem fazer o discurso da praxe e homenagear os amigos e conhecidos, que é uma boa forma de aproveitarem a boleia para também se homenagearem permanentemente a si próprios. O quê, fazer uma homenagem a esse paneleiro dum cabrão? Foi assim que ouvi falar de Bernardo Santareno, um escritor e intelectual português, dos maiores, que será com certeza muito recordado e homenageado daqui a muitas dezenas ou centenas de anos quando todos nós já formos, há uma eternidade, apenas uma nuvem que passou.A criação de uma Fundação Bernardo Santareno e o anúncio de um prémio literário com o nome do autor escalabitano vem fazer justiça a um grande nome da literatura portuguesa. Santarém ainda é uma terra de província, das mais cuscas, quando se trata de valorizar o nome de alguém pelo trabalho e pelo mérito da sua obra. É fácil falar em público do Sá da Bandeira, do Passos Manuel, do Braancamp Freire, enfim, de muitos e venerados nomes da cidade que ficaram na história mas cuja memória só resiste porque o discurso político não os esquece na hora que mais lhe convém.
Lembrar publicamente, apenas vinte anos depois da sua morte, um autor que deixou uma obra incomparável na área da literatura, do teatro em particular, não seria nada do outro mundo se ele não fosse um homossexual assumido. Tudo leva a crer que o nome e a obra de Bernardo Santareno não é familiar aos escalabitanos nem motivo de orgulho para quem nasceu ou adoptou a cidade porque ele era “invertido”.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Poemas à nossa terra


Entusiasmado com a leitura de uma das obras poéticas mais importantes do último século, talvez a obra poética e ensaística mais importante a seguir a Pessoa, por tudo o que tem de inovadora e contra a corrente, resolvi partilhar com o leitor este prazer, numa altura em que redescobri igualmente uma obra importante de um poeta ribatejano chamado Álvaro do Amaral Neto que canta o Ribatejo e as terras ribatejanas como nenhum poeta português o fez até hoje.O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades. Não sei a quem é que interessa a informação de que estou a reler Almada Negreiros, republicado pela Assírio e Alvim, com o entusiasmo de um adolescente e a vontade de aprender de um velho leitor.
De tanto conviver com o livro em certa altura da minha vida julgava que o tinha na minha biblioteca. Afinal não tenho. Um dia destes, em casa do Professor Veríssimo Serrão, vi uma daquelas edições numeradas e de capa dura que me fez pele de galinha. Não sei por que artes mágicas o Professor deu por isso e logo se prontificou para escrever um prefácio ao livro se eu tivesse a coragem de o reeditar. E porque o Professor Veríssimo Serrão não brinca em serviço deixou que de regresso a casa trouxesse o livro debaixo do braço para não perder pelo caminho o sentido das palavras bonitas e justas que trocamos a meio de um dia de sol.
Não sei se vou encontrar solidariedades para reeditar o livro como gostava numa edição fac-similada e também com capa dura. Os poemas a Vila Franca de Xira, a Alhandra, à Barquinha, a Almeirim, Cartaxo, à Chamusca ( a terra de nascimento do poeta), assim como a dezenas de outras localidades da região, bem mereciam voltar à luz do dia.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

A televisão regional


Nos últimos tempos algumas notícias no sítio online de O MIRANTE têm sido acompanhadas com vídeos. A ideia não é nada original mas está a resultar.
Portugal é um atraso de vida no que respeita aos avanços das novas tecnologias. A televisão regional em Espanha tem mais de 20 anos de sucesso. Um dia destes visitei um canal local no sul de Espanha com cerca de uma centena de profissionais. Casos destes existem às centenas no país vizinho. Enquanto a televisão regional em Portugal continua a ser uma miragem, os canais portugueses dão-nos noticiários sobre um país que não é o nosso e enchem-nos a cabeça de imagens de guerra, de traficantes de droga na Colômbia, de desastres no Brasil, de histórias de violência passadas algures no mundo, esquecendo o país real.
Com a globalização da informação toda a gente sabe que é mais fácil pôr no ar as imagens da guerra no Iraque ou dos confrontos na Palestina, ou das derrocadas no Brasil, que as imagens que retratam a realidade portuguesa que não é aquela que os fazedores de notícias fabricam quando se deslocam entre as docas de Lisboa e S. Bento. O problema é que estamos todos acomodados. Dão-nos uma televisão pornográfica com noticiário que nos escandaliza e filmes com meia hora de intervalos para anúncios e os portugueses comem e calam. Ninguém vai ali ao lado, a Salamanca ou a Badajoz, a Cádiz ou a Sevilha, para ver como se faz o mundo novo.
A televisão regional ainda é uma utopia para a maioria dos responsáveis pelo governo da nação e das autarquias. Quase todos acham que não há dinheiro nem haverá mercado. Experimentem, caros leitores, olhar à volta e perguntar para onde vai tanto dinheiro das “obras a mais” e de concursos públicos que ninguém sabe como são ganhos e com que critérios. É aí que está um dos segredos de tanta descrença. O dinheiro existe. Anda é por caminhos ínvios.