quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Quantos alunos gostam dos seus professores?


Não sou insensível à luta dos professores nesta cruzada contra o Governo. O mundo do ensino não melhorou muito nos últimos anos. Numa boa parte do país, tal como há décadas atrás, os alunos ainda se sentam nos bancos da escola como prisioneiros em galés, fechados em salas geladas de Inverno e com temperaturas bem quentinhas no Verão.
Aos doze anos foram-me buscar aos bancos da escola para iniciar uma vida de trabalho. Lembro-me bem da alegria de deixar os bancos da escola para iniciar uma outra vida fora daquele rectângulo de primeiro andar que me fazia infeliz todos os dias.
Anos e anos depois, sempre que passava pelo largo da escola, sentia uma sensação de liberdade que tenho dificuldade em descrever tal era o medo com que todos os dias enfrentava a vida escolar, sem afectos, que dividia os alunos em maus, bons e muito bons.
Hoje fico feliz quando vejo as crianças a falarem de igual para igual com os professores, caminhando para a escola sem temor e sem o receio de serem insuficientes no saber, podendo expressar os seus desejos em casa e na escola assim como as inclinações da sua alma jovem. Para mim, naquela altura, a escola era coerção, medo e muita palmatória. O único momento de felicidade que devo à escola foi o daquele dia em que o meu pai mandou que deixasse de estudar e iniciasse ao seu lado uma vida de trabalho que durou até aos 22 anos.
Não sou insensível à contestação dos professores. Mas tenho muitas dúvidas sobre a justiça desta luta e esta forma de protesto. Os professores unidos valem mais do que um exército armado. Se os professores percebessem melhor o seu papel nesta sociedade do conhecimento não precisavam de protestar. Bastava que ensinassem. Ensinar deveria ser o grande objectivo dos professores. Não me adianto mais porque faço meu o axioma de Emerson que diz que os bons livros substituem a melhor universidade. E concordo com a ideia de que uma pessoa pode tornar-se um excelente filósofo, historiador ou jurista, sem frequentar colégios ou universidades. Por mim já pude confirmar muitas vezes que antiquários sabem mais sobre livros que professores catedráticos, negociantes de arte sabem mais do que aqueles que estudaram arte. Uma grande parte dos estímulos e descobertas em todas as áreas do saber provêem de gente de fora delas. Por mais prática e vantajosa que a vida académica possa ser para os talentos medianos, parece-me dispensável para naturezas individualmente produtivas e, nas quais, pode até ter efeitos inibidores (Stefan Sweig).
É muito raro encontrar um aluno que aponte o seu professor como um exemplo. É raríssimo encontrar um aluno da escola que seja atraído pelo professor para a sua disciplina. Em muitos casos os professores até vão ficando mais atrasados no tempo do que alguns dos seus alunos.
Propositadamente misturei nesta crónica pensamentos e reflexões sobre ensino escolar e universitário. Não sou insensível à contestação dos professores. Conheço alguns que mereciam que os nossos políticos tivessem conseguido uma melhor educação escolar e universitária, ou, tal como diz Emerson, tivessem melhor sorte nos livros por onde estudaram. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Gente sem rosto


Uma das minhas melhores formas de diversão é ouvir dizer mal, ouvir berrar contra o sistema, contra o governo, contra os políticos, contra tudo e contra todos. Julgo ter o privilégio de saber ouvir tanto como sei calar quando ouço. Ninguém sabe dizer tão mal como o nosso médico, o nosso barbeiro, o nosso fisioterapeuta, o dono do café onde vamos beber a bica todos os dias, o nosso parceiro de sueca, o nosso adversário do snooker, o nosso amigo e colega de profissão. Fico de boca aberta a deliciar-me com as criticas ao sistema que ouço nas mesas repleta de reformados à hora do almoço, à volta das mesas onde quatro teimosos batem os nós dos dedos jogando as cartas;
O tipo é um cabrão; o gajo quer é meter a mão na massa; isto está bom é para eles e para as famílias deles; se fosse eu que mandasse punha a tropa na rua; para o ano fecho a porta e vou pedir trabalho ao presidente da câmara; os cabrões é que deviam governar a casa deles com o que eu ganho da reforma.
Falta-me coragem para transcrever aqui o vocabulário obsceno destas conversas da treta que põem tudo e todos em causa neste tempo de vacas magras. Se alguém inventasse uma forma de aproveitar a energia da fala, dos que passam a vida a berrar contra tudo e contra todos, talvez tivéssemos resolvido o problema das energias alternativas, o problema da nossa dependência do petróleo.


Há um tempo atrás fui assaltado em plena cidade de Madrid. Roubaram-me a carteira com todos os documentos e com uma mão cheia de euros. Foi um golpe de mestre. Não dei por nada. Não senti népia. O que sei é que a minha carteira voou da mala como um pássaro muda de beiral.
Quando dei por falta da carteira lembrei-me de um estranho encontrão de ombros minutos antes. Depois sentei-me num banco de jardim, baixei os braços e fechei os meus olhos tristes. Alguns minutos depois estava a valorizar a astúcia do ladrão, a desejar conhece-lo para perceber como é que ele conseguiu o que me parecia impossível. Queria conhecer a arte do golpe. E deixava-me roubar outra vez só para saber se o gatuno é do género daqueles que vai almoçar ou jantar ao mesmo restaurante que eu, tem uma vida tão boa ou melhor do que a minha, ou, ao contrário, é um pobre diabo que conforma ganha conforme gasta, e nem sequer tem filhos para levar à escola.
Acabei o dia a fazer queixa na polícia sabendo que tinha proporcionado um bom dia de trabalho a um gatuno que não usa pistola nem arma branca para roubar. E o mais surpreendente ainda estava para me acontecer. Um mês depois do roubo recebi uma carta, em espanhol, com o carimbo de Cadiz, onde o ladrão goza comigo, dizendo-me que tinha achado uns cartões com a minha cara e a minha morada e que um dia destes passava por Santarém para me visitar e os entregar em mão.
Há pessoas que se atravessam na nossa vida que deixam marcas que nunca se apagam. Mesmo que nunca lhe tenhamos visto o rosto.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O direito à indignação


A polémica entre os pais dos jogadores do Ferroviários e o presidente do CADE, que começou e ainda dura nas páginas de O MIRANTE, fez-me reparar no passado sábado, num jogo de juniores que fui ver ao campo municipal do Entroncamento, no espírito de trabalho dos dirigentes associativos. Nos campos de futebol dos grandes clubes os apanha bolas são miúdos privilegiados que, imagino, devem dormir mal nas vésperas dos jogos com a emoção de descerem ao relvado e poderem participar nos desafios que as televisões e as grandes assistências transformam em espectáculos de grandes vaidades. Nos campos de futebol regionais, sejam em que escalão for, o trabalho dos apanha bolas é serviço público. Não só porque é preciso andar no meio dos quintais à procura da bola como, muitas vezes, os espectadores aproveitam para “gozar” com o espírito de missão desses verdadeiros senhores do associativismo. Nalguns casos estamos a falar de homens com mais de 60 anos; homens que têm filhos e netos como alguns de nós, que nos sentamos de cigarro na boca ou a mastigar pastilha elástica enquanto vemos os nossos jovens a jogarem futebol e chamamos nomes aos árbitros.
A polémica entre o presidente do CADE e o pai de dois jogadores juniores do Ferroviários fez-me reparar melhor no trabalho da senhora (que tem nome mas eu não perguntei ainda) que todos os sábados percorre dezenas de vezes o campo de futebol a vender rifas para o sorteio de uma garrafa de vinho verde. A finalidade é angariar fundos para que os jogadores possam comer chocolates no intervalo dos jogos e duas sandes bem aviadas no final de cada partida. Quantos de nós, que temos filhos a jogar nestas equipas, mostramos reconhecimento pelo trabalho dos dirigentes associativos que não são presidentes nem treinadores dos clubes mas gente solidária, bairrista no melhor sentido da palavra, que se realiza servindo quem muitas vezes passa por eles a meio da semana e nem os reconhece para lhes dar os bons dias.
A polémica entre o presidente do CADE e os pais de dois jogadores do Ferroviários é um sinal dos tempos. Um sinal também de afirmação da informação regional e local. Os jogadores servem os clubes abnegadamente mas os clubes muitas vezes querem servir-se dos atletas muito para além do que eticamente é aceitável. E o contrário, às vezes, também é verdade.
“Mentiroso” e “cachopo”, palavras aparentemente ofensivas usadas na disputa verbal entre as duas partes que se sentem com razão na contenda, não são suficientes para dar trabalho a um juiz. Mas os tribunais são uma boa arma de arremesso quando as pessoas perdem a razão. Tudo isto, comparado com o trabalho dos apanha bolas e das senhoras que vendem rifas, é razão para rir e chorar por mais. A cidadania não se exerce de boca calada pagando e não dando conta do que nos vai na alma. Por mim ficava aqui a vida toda a editar textos que ajudem as pessoas a perderem o medo de exercerem o direito à indignação e à liberdade de opinião. 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Há vidas maiores que romances


Acabei o ano de 2008 a ler o novo romance de Francisco Moita Flores que há-de sair para as livrarias na primavera de 2009 (ver texto sobre o assunto nas páginas interiores). É um privilégio poder partilhar a inteligência e a sabedoria do actual presidente da Câmara de Santarém. Já escrevi e acho uma boa altura para repetir: este Senhor trouxe para Santarém e para a região uma dinâmica de trabalho e de combate político que não tem paralelo na região nestes anos todos de democracia. Um dia que ele acabe o seu trabalho em Santarém, uma vez que para além da política é homem com outros projectos de vida para o futuro, vamos ficar todos a perceber melhor o seu valor como político, como Homem e como intelectual. Até lá muita água há-de correr por debaixo das pontes. E muita coisa terá que correr melhor na vida política de Moita Flores e do PSD de Santarém para que o autarca não defraude as expectativas dos escalabitanos que votarem nele e de todos aqueles que vai conquistando com o seu trabalho e com o seu carisma.



Antes de começar a ler, ainda em folhas A4, o novo livro de Moita Flores, li um romance de Walmir Ayala (À Beira do Corpo), editado apenas no Brasil e já na 9ª edição, que foi o livro que mais me marcou em 2008. Walmir já morreu há 17 anos e deixou uma Obra muito valiosa ao cuidado do seu afilhado André Sefrrin. O romance conta uma história trágica entre maridos e amantes. É um dos mais belos romances da literatura brasileira escrito “com uma prosa banhada pela iluminação poética”. Depois de ler À Beira do Corpo escrevi ao André e perguntei-lhe como foi possível nunca me ter falado neste livro já que várias vezes trocamos livros e opiniões sobre a obra do Ayala. Não calhou respondeu ele. E quanto à tragédia da novela tudo aquilo foi retirado de uma situação vivida, contou ainda na sua missiva, acrescentando que Walmir tinha 4 anos de idade quando assistiu ao assassínio de sua mãe e do seu amante apanhados na cama de sua casa pelo pai.
Há vidas maiores que romances.



A vida é a arte do encontro. Não tenho sido muito feliz neste capítulo. A verdade é que também não procuro muito. Deixo que as coisas aconteçam e depois, se isso me interessar, vou atrás e se for preciso luto até ficar sem forças e sem pele. Umas vezes ganho. Outras vezes perco. Mas não é meu hábito meter-me em lutas para perder. O ano que agora acabou foi igual a tantos outros. Gostava de partilhar com os leitores de O MIRANTE o facto do jornal ter crescido muito a sul do distrito de Santarém e no concelho de Vila Franca de Xira onde já trabalham, quase em exclusividade, seis jornalistas da redacção. A nota serve para deixar um recado a quem nos manda recados do norte. Ninguém faz omoletas sem ovos. O ditado é antigo mas serve que nem ginjas para me explicar em poucas palavras.