quarta-feira, 25 de março de 2009

À beira da memória


Há pessoas que exercem uma influência na nossa vida que nunca mais se apaga. No dia em que me despedi da minha mãe, na passada sexta-feira, voltei a recordar outros tempos e outras vivências que foram moldando o espírito e o corpo precário que hoje habito e do qual tento tirar o maior proveito enquanto domino a meu belo prazer o espírito e os nervos.
Já sabia desde criança que o valor das lágrimas é como o valor da poesia: mastigadas e engolidas as lágrimas têm muito mais sabor e sentido que perdidas pela cara abaixo. Com a vida não se brinca. Com as palavras também não. Um dia, há muitos anos, a minha avó ensinou-me como se chora um ente querido que ao longo de uma vida nos leva da cruz ao calvário, da nascente à foz de um rio e vice-versa.
Dar vida às palavras, e das palavras retirar apenas a sabedoria e a modéstia que devem conduzir uma vida, é uma das lições do testamento da minha avó que, por não saber escrever, deixou gravado na minha memória e esculpido na minha pele.
Preso para sempre às raízes da minha terra e da minha gente um dia dei por mim a fotografar nas ruas da Chamusca todos os velhos que encontrava e dos quais guardava memórias da infância. Guardo as fotografias dessas pessoas numa gaveta como guardo a memória de algumas outras que já não fui a tempo de fotografar. E de quase todas guardo ainda a recordação do dia em que morreram e eu não as acompanhei à última morada. Sei na maior parte dos casos o que tinha para fazer em Lisboa, ou em Santarém, ou em cima da secretária de trabalho, na empresa, ou os compromissos a que estava agarrado para não deixar o meu barco preso aos salgueiros da maracha do rio enquanto os outros saíam para a pesca.
Sentado ao sol no meu quintal, a meio da tarde no dia do funeral da minha mãe, com os pássaros a ladrarem e o meu cão a piar festas no lombo, os meus filhos riem-se comigo e contam episódios da vida que viveram com a avó. Uma longa vida se quisermos ser gratos e reconhecidos.
(Não vos façais iguais ao cavalo e ao mulo sem entendimento, cuja fogosidade é preciso reprimir por meio de freio ou cabresto, antes de se chegarem a ti” ( Do livro dos Salmos).

quarta-feira, 18 de março de 2009

Os bancos a esmagarem os empresários


O presidente da NERSANT, José Eduardo Carvalho (JEC) já leva doze anos de trabalho à frente da associação. Nunca como agora, numa altura em que já anunciou a sua retirada, JEC é preciso na NERSANT ao serviço da causa que abraçou. Só quem conhece a aflição por que passam muitos dos empresários da região pode imaginar a forma como o presidente da direcção é solicitado para ajudar a resolver problemas que, na maioria dos casos, parecem irremediáveis. Já fui testemunha, em situação privilegiada, de verdadeiros apelos de emergência à direcção da NERSANT, em situações de vida ou de morte para as empresas. Só quem conhece as máfias instaladas na banca, nas empresas de serviços, nos escritórios de advogados que dominam o sistema, pode avaliar o alcance e a dimensão de uma ajuda tão personalizada e célere como é possível conseguir junto da direcção da NERSANT e do seu líder.
Na passada sexta-feira, enquanto em Lisboa se manifestavam cerca de duzentos mil trabalhadores, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, ouviu JEC recordar que o emprego é o efeito da actividade das empresas e não o contrário; que o sistema financeiro português está muito mais afinado que o sistema empresarial e que, por isso, os bancos estão a esmagar os empresários.
Em poucas palavras JEC lembrou todas as boas medidas do Governo de Sócrates para combater a crise e ajudar os empresários. Mas lembrou também que, no fundamental, os apoios estão a ser desvirtuados; a banca tradicional não é a melhor aliada dos empreendedores e, por isso, é preciso descentralizar nomeadamente integrando os apoios no sistema das sociedades de garantia mútua.
Sabem qual foi a resposta do ministro a todas estas questões relevantes e concretas? Queixinhas contra a comunicação social; lamentos por os sindicatos estarem a promover manifestações; palavras de lamento por sentir que nas bases as propostas do Governo são bem aceites mas, quando chega a vez dos sindicatos intervirem, está tudo estragado devido à partidarização das associações e sindicatos. Como se todos nós não soubéssemos que é assim que funciona uma democracia, e que quem está no Governo não pode queixar-se do exercício da crítica.
Este texto era para ser um elogio ao presidente da direcção da NERSANT. Com os seus conhecimentos, com a sua experiência, com a capacidade de trabalho que lhe conhecemos, é a pessoa indicada para continuar a ajudar aqueles que, hoje mais do que ontem, precisam de uma associação empresarial forte e interventora. Mesmo tendo feito muito nestes últimos doze anos, a maioria dos empresários com quem falei entendem que a continuidade de JEC à frente da direcção da NERSANT é tão necessária como a retoma da economia.
O que era para ser um elogio acabou por se tornar num apelo. Não faço mais que dar voz aos empresários que na passada sexta-feira, num almoço informal, ouviram com preocupação a voz sumida do ministro do Trabalho.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Os jornalistas e os agricultores


A grande força dos agricultores, há 20/30 anos, era a força do associativismo. Reunidos em cooperativas ou associações, os agricultores vendiam os melões, as uvas, o tomate, o trigo e o milho e prosperavam.
Hoje cada um faz pela sua vidinha. No milho e no trigo ainda se vão entendendo. No resto das culturas estão entregues à bicharada, ou seja, são cilindrados pela força das grandes superfícies que negoceiam os produtos agrícolas muito mais baratos com os produtores de outros países.
O melhor exemplo foi o que se passou este ano com a laranja. Ficou toda nos pomares e a que se vendeu foi a um preço que nem dá para as despesas.
Na semana em que a Agromais-Plus faz dez anos é justo referenciar a organização que ainda faz a diferença. E salientar o nome de Luís Vasconcelos e Souza que tem sido o grande timoneiro da Agromais e das empresas associadas.
Mas não era só na agricultura que os portugueses se associavam para sobreviverem e para terem sucesso. Nos jornais, que é um negócio bem mais pequeno e diferenciado, a força do associativismo fazia milagres nas negociações com o Governo a propósito de apoios assim como na definição de estratégias para o sector.
Hoje a comunicação social está na mão de meia dúzia de grandes grupos económicos. E o futuro dos profissionais da comunicação não é mais sorridente que o futuro dos agricultores. Mesmo tendo em conta que Portugal ainda tem um mercado para a imprensa regional, um mercado que ainda tem muito para dar, nada leva a crer que ainda estamos a tempo de ver nascer jornais e televisões dirigidos e controlados por jornalistas que não têm mais nada a defender que projectos culturais e de intervenção cívica que são a base de toda a informação livre.
Assim como ninguém percebe a razão que levou os agricultores a deixarem falir as cooperativas e as associações onde podiam defender a sobrevivência e a salvação dos seus rendimentos, também ninguém percebe como é que numa aldeia global como aquela em que vivemos os grandes jornais e as televisões continuam propriedade de meia dúzia.
A agricultura nunca foi uma profissão que enchesse o orgulho de muita gente. O jornalismo sempre foi, e ainda é em boa parte, a mais prestigiada das profissões, onde todos gostam de molhar o bico nem que seja apenas para fazer o gosto ao dedo.
Ou muito me engano ou ainda vamos ter no futuro muito jornalista no activo à procura de trabalho no campo querendo sujar as mãos de terra tão orgulhosamente como hoje suja as mãos de tinta.

quarta-feira, 4 de março de 2009

José Sócrates e Belmiro de Alzevedo


Há cerca de dez anos sentei-me a uma mesa para jantar com um ex-presidente da Câmara de Lisboa e com o seu chefe de gabinete da altura, e ouvi contar como Belmiro de Azevedo é, ou era, raçudo a tratar dos seus negócios.
Não posso, nem devo, contar pormenores mas ficou bem claro na minha mente que o poder do dinheiro na democracia portuguesa é tão forte como era o poder de Salazar antes do 25 de Abril.
Belmiro de Azevedo queria umas torres por cima do Centro Comercial Colombo. O presidente da Câmara de Lisboa e toda a sua equipa destruíram esse sonho de Belmiro. E os episódios à volta das pressões davam um livro que não quero nem me interessa escrever.
Mais de dez anos passados depois desta história, que já estava a ser contada quase com barbas, eis que já se erguem as famosas torres por cima da estrutura do centro comercial Colombo. Belmiro de Azevedo demorou muitos anos a conseguir os seus objectivos. Mas conseguiu-os.
Não quis saber na altura em que ouvi contar a história se a guerra era pessoal se em nome dos interesses urbanísticos da cidade. Só me interessou reter o essencial da conversa que envolveu homens poderosos da política e do dinheiro. E não tenho dúvidas que, ontem tal como hoje, os homens do dinheiro são muito mais poderosos que os homens da política.


Quanto mais se bate no Sócrates mais eu tenho simpatia por ele. Não pela pessoa mas pelo político. Pouco vezes gostei de um primeiro-ministro como gosto de José Sócrates. Não se dobra aos jornalistas que acham que também podem governar através das páginas dos seus jornais ou televisões; anda a fazer, pouco mas anda a fazer, as reformas que Cavaco, Guterres, Durão e Santana, para não falar de outros, nunca ousaram. Da minha parte e, por enquanto, merece o benefcio da dúvida. Mas como em democracia quando as coisas correm mal para uns… cornos para todos, está a pagar bem caro no caso Freeport a falta de uma justiça célere, a falta de juízes e de funcionários judiciais, a reforma da justiça para sermos mais exactos.
É verdade que quando era ministro do Ambiente aprovou projectos a correr antes do seu poder expirar. Mas não é assim como todos os Governos e com todos os ministros em todos os ministérios desde o 25 de Abril de 1974 ? Que classe política é esta que ladra ladra mas nunca mexe no essencial para continuarem a criticar o que é acessório? Dá vontade de rir ouvir os políticos do PSD a criticarem as políticas de José Sócrates e dos seus ministros. O PSD é um partido desbaratado; sem líder à altura; sem coesão interna; cheio de barões e condes que esperam a oportunidade do eleitorado ficar cansado dos socialistas para se lançarem ao poder dentro do partido e depois ganharem o país para fazerem ainda pior do que já fizeram.