quarta-feira, 30 de abril de 2008

Confissões de um provinciano


As vantagens de viver num meio pequeno são incomensuravelmente maiores do que as de quem vive nas grandes urbes. Nunca quis a vida estreita de quem habita nas grandes cidades. Passo por lá o tempo suficiente para perceber que seria o mais infeliz dos mortais se tivesse que olhar as estrelas da janela de um apartamento. Na minha terra ainda durmo com a porta no trinco, tenho quintal para plantar morangos e, num salto, vou dormir a sesta no meio da charneca ou roubar uma laranja para comer no meio do campo. A certa hora da noite a minha terra parece o meu quintal. Posso andar horas pelas ruas que não vejo vivalma. Subo e desço as ruas da vila com a sensação de que toda a gente se deitou com as galinhas. A luz que ilumina as ruas da minha terra é a luz do luar. As águas do rio, apertadas entre margens, ouvem-se a meio da noite no centro da vila, dando notícias do que na altura vai pelo Tejo abaixo. Às vezes paga-se o preço da proximidade. Mas é um preço tão baixo tão baixo que, contas feitas, a terra dá no troco muito mais do que recebe.


Tenho um amigo da idade adolescente que, sempre que passo por ele, cumprimento com um “olá André”. Invariavelmente a saudação dele é “Adeus ó pá”. Por portas e travessas vêm-me dizer que tenho a mania que sou rico e deixei de dizer adeus como dizia dantes. Pudera ! Um tipo pode ter uma má impressão sobre a nosso carácter, não pode é responder a um cumprimento pelo nome com um habitual “Adeus ó pá” que mais parece uma forma de desprezo que um cumprimento.


Como todo o provinciano sempre sonhei ser dono de um hectare de terra no campo. Depois do sonho concretizado lancei-me à aventura de plantar árvores. Nos últimos cinco meses caminhei dezenas de vezes para uma associação local para comprar os serviços da plantação. O que eu sonhei nestes últimos meses com o meu pomar de nogueiras!. O que eu idealizei que havia de começar a fazer na maracha para proteger a terra!. No dia H, quando já não era possível recorrer a outra empresa, recebi a informação de que não havia árvores no mercado. Passaram apenas quinze dias e ainda julgo que tudo isto não passou de uma brincadeira de mau gosto. O problema é que as pessoas a quem recorri são engenheiros e, aparentemente, são pessoas tão ilustres que ninguém pensaria que também poderiam ser tão mentirosas.
Acabei de ler Crónica da Casa Assassinada do brasileiro Lúcio Cardoso. São quinhentas páginas que se devoram em meia dúzia de dias. Recorra à Estantevirtual.com e peça o livro pelo correio. Mais do que um grande romance é uma aventura pela riqueza da língua portuguesa. 

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