quarta-feira, 1 de abril de 2009

De Santarém a Nova Iorque


Na passada semana sentei-me ao balcão de um café de Santarém para almoçar. A Joana fazia-me companhia. Um homem na casa dos setenta anos sentou-se ao nosso lado, sorridente, com o Correio do Ribatejo na mão. A Joana olhou para mim e segredou-me: sabe em que página é que ele vai abrir o jornal? Nem tive tempo de responder; numa fracção de segundo o nosso companheiro estava a consultar a página de necrologia do Correio do Ribatejo e a comentar com a Joana, que não perdeu tempo a meter conversa: “Esta semana safei-me. Sei que tenho lugar marcado aqui neste jornal dos mortos. Mas esta semana ainda sou do reino dos vivos”.
Num estudo sobre a importância da imprensa local, publicado há muitos anos, alguém chamou a minha atenção para a realidade de um jornal do concelho de Chaves que tinha um número razoável de assinantes que não sabiam ler. Rezava o documento que aqueles leitores, ao responderem ao questionário que esteve na origem do estudo, disseram que pelas fotografias do jornal sabiam tudo o que se passava na sua aldeia.
Escrevo esta crónica num quarto de hotel na cidade de Nova Iorque depois de passar a tarde numa livraria da Quinta Avenida consultando e folheando dezenas de livros e revistas. Apesar de não saber escrever e ler em inglês, metade do tempo em que andei pela cidade foi passado numa livraria a consultar as melhores revistas de arte e informação, assim como os livros dos meus autores preferidos.
Mesmo sem saber ler e escrever em inglês sinto o papo cheio de conhecimento e apetece-me aplicar a mim próprio a ideia de que o entusiasmo é universal, frase que Camilo Castelo Branco usou num dos seus romances ao referir-se a alguns lavradores de Trás-os-Montes que, naquele tempo, “adicionaram à leitura do Borda-de-Água algumas prelecções escritas de economia política pois esperavam concorrer ao mercado de Sevilha com cereais e repolhos das próximas colheitas”.
PS: Propositadamente a crónica desta semana tem três linhas a menos que deveriam ser preenchidas com as palavras que explicariam de que matéria é feito o meu entusiasmo universal. Remeto os leitores para um livro de José Maria Fonollosa, “Nova Iorque, Cidade dos Homens” que, dizem, é o melhor retrato da cidade escrito por um poeta que nunca cá pôs os pés.

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