quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O crime compensa


Ando empenhado em ajudar quem me ajuda a receber uma dívida que remonta aos anos de 2002 e 2003. O que oiço para justificar o calote é de bradar aos céus. O que me dizem para justificar o tempo que ainda vamos ter que esperar para nos pagarem deixa-me de mãos a abanar e de espírito perturbado. Oiço uma voz que me diz que tenho razão em pedir que os casos sejam denunciados ao Ministério Público mas logo a mesma pessoa adianta que isso não é possível porque a instituição iria à falência com uma chuva de auditorias que a tornariam ingovernável. “Se tivesses a cabeça formatada para as questões do Direito perceberias porque não é possível partir a loiça e chamar os bois pelos nomes e denunciar os irresponsáveis e os corruptos que estragam a nossa vida pública”, diz a voz amiga que tenta resolver-nos o problema.
Estou de regresso à minha secretária no jornal e não me apetece mexer uma palha. Minutos depois começo a entrevistar dois candidatos a jornalista para reforçarem a equipa de O MIRANTE. Um deles deixa-me como novo depois de dar a perceber que tem sangue na guelra. Lá em cima, na redacção, os jornalistas trabalham os últimos textos para mais uma edição. Chamam-me ao telefone para perguntar se quero dar uma vista de olhos no texto da última página e a minha resposta é não. Já estou a trabalhar para a edição das próximas semanas.
Nunca almocei no Solar dos Presuntos nem ao balcão do Gambrinuis mas vou com regularidade ao Rossio, em Lisboa, comer uma sopa à lavrador e um lombinho magro. Como de pé como toda a gente.
Há quase trinta anos que conheço aquele corredor restaurante com um balcão ao meio. Eu bebo uma cerveja preta sem álcool mas a maioria dos frequentadores bebem imperial ou vinho tinto.
É ali que aprendo a mastigar devagar para não engolir muito oxigénio e evitar os gases. É ali, àquele balcão onde come o vagabundo, o pobre e o remediado, que gosto de treinar o estômago para os momentos difíceis da vida.

No teatro das nossas vidas, regra geral, as sessões são de manhã, à tarde e à noite. Ali, naquele espaço que mais parece um teatro de bolso que um restaurante, as sessões são contínuas, começam e acabam com o nascer e o pôr-do-sol e, na grande maioria das vezes, a peça é para maiores de idade.
Tudo o que aprendi de importante à hora do almoço foi a comer de pé ao lado de gente que paga com trocados, estala a língua depois de saborear, e não tem que olhar para o lado se um arroto mais barulhento lhe sair da boca.
Esta crónica é dedicada ao senhor Josué, o homem que na passada segunda feira, antes de mandar vir a sopa à lavrador e um pastel de bacalhau, me cumprimentou respeitosamente depois de um reencontro que já não acontecia há uns bons anos.

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