quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Natal é poupar no azeite


Para quem tem uma família feliz e unida, como eu tenho a minha, esta quadra natalícia é um bom pretexto para viver de barriga cheia. Sei que a imagem da barriga cheia, associada ao Natal, pode não ser feliz para muitos leitores. Para mim o Natal simboliza isso mesmo: a oportunidade de encher a barriga de doces e de felicidade.
Ora aqui está uma boa oportunidade para usar um termo na verdadeira acepção da palavra e em sentido figurado.
Como não sinto no coração não sou capaz de disfarçar nas palavras que o Natal não me comove nem inspira. Se há alturas em que não me apetece repetir o prato de comida nem variar a ementa é nesta altura do ano. Se há dias em que me sinto culpado por ver os meus companheiros de mesa deixarem comida no prato para guardarem espaço na barriga para outros acepipes é na época de Natal.
Comigo não funciona ainda, por enquanto, aquela máxima de que nascemos comunistas, vamos ficando social - democratas e acabamos fascistas. Nas coisas mais urgentes da vida sinto-me comunista como quando tinha 16 anos.
Claro que sei, vou sabendo, sobreviver nesta pequena selva que é a nossa vida nos dias de hoje. Tenho uma vida desafogada, um bom carro e uma boa casa. E hoje já não telefono aos gerentes dos bancos a pedir pequenos favores com a alma pelo chão; são os gerentes dos bancos que me telefonam para que eu seja cliente deles. Mas tudo isto é obra de há pouco tempo e foi conquistado sem eu dar por isso, passando muitos natais e anos novos a trabalhar até tarde, poupando no azeite e a divertir-me até às tantas da noite com um livro aberto em cima dos joelhos.


A Chamusca é um presépio todo o ano. Entalada entre a Charneca e a Lezíria, de um lado tenho o rio e o campo para me render aos valores da terra e da sua fertilidade. Do outro tenho os montes e as pedras, os ribeiros e os sobreiros, a urze e o rosmaninho, uma grande natureza onde acontecem alguns dos maiores milagres da existência.
Para que o presépio possa ser habitado e cuidado todos os dias do ano, guardo as melhores recordações dos meus tempos de infância, quando os meus avós iam à charneca à lenha para nos aquecermos no Inverno, e ao campo ao rabisco da azeitona, do milho e das uvas.
Habituei-me durante muito tempo a viver a época do Natal como se fosse o meu dia de anos. E a ver a minha terra como o presépio de Natal que me foi oferecido pelos meus avós. Se para alguns o Natal é o tempo da família para mim é só mais um dia do ano. Um dia diferente, apesar de tudo, porque tenho cada vez mais saudades dos tempos em que os meus filhos, por serem ainda crianças, me amansavam até eu ficar da idade deles. 

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