quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trabalha malandro


Comprei há poucos anos atrás cinco hectares de terra no campo e nos últimos tempos reaprendi a trabalhar com a enxada, a forquilha, a gadanha e a tesoura de podar.
Acho que estou na idade em que preciso de recapitular de novo tudo o que aprendi na minha infância e adolescência. E o campo serve-me às mil maravilhas para fazer as melhores opções no que respeita ao reencontro com o passado para entender melhor o presente em que vivo e o pequeno futuro que ainda me espera.
Trabalho muito mais hoje com mais de cinquenta anos de vida do que trabalhava quando tinha trinta. E não era isto que eu tinha previsto. Mas trabalho com gosto e gosto do que faço. E faço o que quero e não o que me impõem. Sempre tive a sorte de poder escolher o meu trabalho. Assim como sempre me considerei aprendiz ao longo da vida também nunca virei a cara aos meus mestres nem desviei os olhos das suas lições mais ralhadas. Sou orgulhoso até às orelhas mas que me lembre nunca faltei ao respeito aos que sempre me trataram bem e me dedicaram o seu tempo. Hoje, como no tempo em que sonhava comprar a propriedade no campo, ainda tenho que ajudar a gerir equipas mas não é isso que me impede de continuar a aprender, só que desta vez a aprendizagem é no sentido de me libertar do trabalho quando mudo de fato.
No domingo, enquanto abria as covas para as árvores que hei-de plantar em final de Fevereiro, cortei o pensamento na lâmina da enxada de tanto lamentar o tempo que tenho perdido ao longo da minha vida a falar para o boneco.
Recentemente usei uma experiência de vida que já não recordava há muito tempo para conquistar um elemento da minha equipa. Contei-lhe que aos sete anos de idade ia para o mato com o meu avô materno acompanhando-o no trabalho de roçar mato. Naquela altura o meu avô recebia meio tostão por cada paveia. Se bem me lembro num dia normal de trabalho conseguia juntar 50 paveias. E eu, que vivia no melhor dos mundos por ir e vir do mato montado no burro, que sentia no céu-da-boca o coração de pássaro por poder almoçar do tacho do meu avô, que ficava de boca aberta com a cor das saramantigas, com as raposas que encontrava mortas nos ferros armadilhados por caçadores furtivos, eu, o Joaquim António, chegava ao fim do dia e conseguia entre cinco a dez paveias para ajudar no orçamento. Enquanto o meu avô usava uma gadanha afiada dezenas de vezes por dia eu safava-me com uma roçadoura de cabo comprido para proteger os pés descalços.
Estava eu curvado a abrir as covas para as árvores que hei-de plantar no final de Fevereiro quando bati com o cabo da enxada na testa e percebi que não devo curvar tanto as costas quando uso uma enxada nem tão pouco confiar demasiado nos argumentos das minha lições de vida aplicadas à gestão dos recursos humanos de quem está a chegar ao mercado de trabalho vindo da douta universidade.

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