quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Uma boa lei para subverter



Tenho três amigos que fumam desalmadamente. Quando estou com eles fico com dor de cabeça. Aquela morte lenta em que os vejo afundarem-se deixa-me pensativo. São três homens cultos, bem informados e trabalhadores incansáveis. Um é abstémio. Os outros bebem uma garrafa de uísque por semana. Os três fumam mais num dia que eu durante um mês. A sofreguidão com que os vejo a puxar dos cigarros só a conheço altas horas da noite quando fico a trabalhar. Acontece-me meia dúzia de vezes por mês. No outro dia acordo ressacado. Se o trabalho foi inglório fico doente todo o dia. Se deu frutos sinto-me tonto, como se andasse nas nuvens.
O meu vício vem da infância. Mas sempre mantive o hábito controlado. Tive que adaptar o vício à largueza que me era dada pelo meu pai ao lado de quem trabalhei dos 11 aos 20 anos. Mesmo depois da maioridade nunca puxei de um cigarro à sua frente. E consegui manter o vício controlado até aos dias de hoje. Mas considero-me tão viciado fumando um pacote de tabaco por semana como os meus amigos que fumam um maço enquanto o diabo esfrega um olho.
Nunca puxei de um cigarro num restaurante. Não fumo à mesa na minha casa ou na casa dos outros. E sou incapaz de andar na rua a fumar. Excepto se estiver de férias. Nessas alturas até me apetece fumar na cama antes de adormecer. E se estiver em grupo fumo nem que seja nas urgências de um hospital. Em rebanho salto o valado como a mais comum das ovelhas.
Estou a ler um livro de Sándor Márai, cuja primeira versão data de 1941, em que o personagem principal aborda o vício de fumar de uma maneira interessante: “Não hei-de renunciar a este veneno amargo porque não vale a pena. Dizes que não é assim tão difícil desacostumarmo-nos?... Claro, é lá agora difícil. Eu também consegui, e não foi só uma vez, enquanto valeu a pena. O mal é que pensava todo o dia no cigarro que não acendera (...). Temos de nos render, face à nossa fraqueza, e, se precisamos de uma droga, convirá pagar o preço (...). Dizem-me: Não és um herói. E eu respondo: É bem possível que não seja um herói, mas também não sou um cobarde, porque tenho a coragem de viver as minhas paixões”.
Não acho que o vício de fumar seja uma paixão. Quanto muito é um pequeno amor. Fumar um cigarro ao ritmo de quem respira, como diz um personagem do último livro de Francisco Moita Flores, é um suicídio que a nova lei do tabaco vem ajudar a controlar. E bem. Embora seja uma lei para qualquer um de nós subverter quando nos der na real gana.

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