quarta-feira, 5 de março de 2008

Uma experiência pornográfica


Hoje acordei com a memória de uma emoção estética. Eu explico: do trabalho para casa, quando viajo noite dentro pela estrada do campo, as raposas atravessam-se no meu caminho. E quando tenho a sorte de as ver aparecer à luz dos faróis do carro, e consigo acompanhá-las com o olhar, fico encantado com a beleza do que vejo. Fascina-me a imagem das raposas a correrem de uma vinha para um pomar; de uma terra semeada de trigo para uma terra lavrada; E guardo algumas imagens de quando elas surgem na estrada até quando desaparecem por entre a vegetação, na outra berma, que comparo ao prazer que tive a ver uma determinada pintura, uma escultura, ou quando releio um poema, ou revejo certas imagens que ficaram na minha vida e que só esquecerei quando a memória soçobrar.
As minhas memórias estão cheias de raposas que comiam as galinhas e os coelhos dos meus vizinhos de infância. Vi dezenas e dezenas de vezes o meu avô paterno armar o ferro de apanhar raposas no meio da charneca. Lembro-me de ouvir falar das caçadas às raposas como me lembro de alguns contos infantis em que a raposa é a protagonista. Sempre percebi que para a maioria dos homens a raposa é um animal a abater. No meu inconsciente sempre vi as raposas com os olhos de uma criança que gostava de as acompanhar nas visitas nocturnas aos galinheiros e às coelheiras dos meus vizinhos.
Se há imagens que me fascinam, e que eu procuro todos os dias quando viajo na estrada do campo, é a silhueta de uma raposa a atravessar a estrada a caminho da maracha do Tejo, esse lugar onde tudo acontece fora do alcance dos nossos olhos no meio das canas e das silvas, dos salgueiros e dos choupos, e da vegetação que esconde todos os animais de mil patas da nossa infância.
Nota: Há muitos anos que conheço uma velha “raposa” da política que um dia destes também se atravessou no meu caminho (ou fui eu que me atravessei no caminho dela?). Porque só conheço as raposas livres e em movimento, e nunca mataria uma raposa pelo prazer da caça (que gosto mas não pratico), facilmente me deixo apanhar como um coelho no meio do restolho. E se for uma velha “raposa”, como é o caso, nem vos conto, com vergonha, a vergonha que senti ao ser apanhado.
Se uma bela raposa atravessa a estrada à minha frente posso ter uma emoção estética mesmo alguns dias ou anos depois e com uma simples lembrança. Ver uma “raposa” a furar pelo buraco da rede da nossa coelheira, e comer-nos como a um coelho macho, é uma experiência verdadeiramente pornográfica.

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