quinta-feira, 18 de março de 2010

Animais de rebanho

Três vezes, ao longo da minha vida, não estendi a mão a outras tantas pessoas recusando um cumprimento. Confesso que não senti prazer, ou tive sentimentos de vingança, em qualquer dos casos. Pelo que me lembro devo ter ficado mais magoado do que as pessoas que viram recusado o meu cumprimento. Na vida só encontro outro exemplo, que também vivi muitas vezes, que se assemelha em termos práticos e psicológicos, que é pedir a alguém que pague aquilo que nos deve e perceber que é maior a vergonha que se sente ao pedir que a vergonha de quem não pagou a tempo e horas o que pediu emprestado.
Leio O MIRANTE à distância nos ciber-cafés por onde passo em viagem e tomo notas da falta de vergonha das grandes promessas políticas da nossa praça. Recuso-me a citar nomes como recusei em tempos estender a mão a certas pessoas.
Há uma classe dirigente que está aí nos gabinetes do poder, ou na calha para ocupar certos lugares importantes na vida pública, que têm tanta vergonha na cara como aqueles que pedem emprestado e já sabem que é para não pagar. É gente que se considera superior, a maior parte deles com muitos anos de estudo oficial, mas a generalidade vive em rebanho e como animais de rebanho têm sempre as mesmas necessidades, as mesmas ânsias, os mesmos desejos, sempre a mesma fácil voracidade pelo Poder.
“Os dias felizes estão entre as árvores, como os pássaros”. “A felicidade é a única coisa que se pode dar sem ter”. “Os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas; os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios de jornal”; “O importante é usar as mãos. Às vezes com certa dificuldade, mas sempre com a alegria, se temos paciência de ir até ao fim”. “No entanto, também os animais têm medo. E se os animais têm medo, já perderam, como os homens, a inocência. Porque a inocência seria confiar em Deus, cegamente, e deixar que tudo acontecesse. Os animais não podem mudar o rumo das coisas, nem os homens”.
No final de cada dia, lendo os meus autores preferidos, devorando livros como quem precisa de reaprender as lições que pareciam definitivas, passo pelo cibercafé e leio O MIRANTE carregando no link de cada notícia como quem abre cartas de amor que chegam da sua terra distante. O jornal, todo o jornal que nos oferece as notícias de proximidade, tem esse lado mágico de nos devolver a cada leitura o amor e a beleza do mundo que habitamos. Mesmo as notícias que são dramáticas, como a daquela jovem promessa da política que recorreu ao subsídio de desemprego para poder sobreviver com dignidade, aproveitando, afinal, aquilo a que tem direito e não é vergonha nenhuma reconhecer publicamente quando se tem humildade e grandeza moral, mesmo essas notícias, escritas por homens que não usam as palavras como balas, fazem de nós pessoas mais tolerantes e receptivas ao que é humano.

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