quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nossa Senhora da Conceição

Por trás de um cronista inchado de opiniões esconde-se muitas vezes um homem de palavras que nem sempre consegue traduzir as suas ideias. Não é por acaso que noventa e nove por cento dos cronistas da nossa praça só falam do mesmo e estão sempre a bater no ceguinho. Se alguém pedisse ao Pacheco Pereira, ao José Manuel Fernandes ou ao João César das Neves que escrevessem sobre assuntos que não envolvessem os membros do Governo, ou aqueles que gravitam à sua volta, nesse dia perdiam o brilho e, provavelmente, perdiam o dinheiro da avença.
Portugal é o caminho de um lado ao outro do Mosteiro dos Jerónimos; vê-se que existe país olhando para a Torre de Belém e confirma-se o valor da paisagem do cimo do Parque Eduardo VII. O resto é província. E os cronistas da nossa praça, escravos do Poder que servem, embora autorizados a morder canelas, tudo escrevem para disfarçarem este mal português de séculos de quanto mais Lisboa mais Portugal.

Há 15 dias vesti a camisola da Junta de Freguesia de Santa Susana ali para os lados de Alcácer do Sal. Paguei três euros para ir à festa e dancei ao som do Chave d’Ouro. Comprei umas rifas, comi um frango assado, bebi uma imperial e no meio de duas centenas de alentejanos senti-me entre a minha gente que é do Ribatejo mas também tem sotaque.
Oito dias depois desci em Málaga num daqueles aviões de brincar que levam 20 pessoas, já a contar com os dois pilotos, e fui à feira. Dizem as estatísticas que vão à Feira de Málaga todos os anos cerca de seis milhões de pessoas durante os treze dias que dura o evento. Estive lá cinco dias a testemunhar como se organiza uma feira e como se envolvem as empresas, as associações, os governos e as instituições numa festa que enche todos os dias as páginas dos vários jornais da cidade. E, para além de encher um recinto onde cabem vários campos de futebol, e onde o pessoal se diverte a sério, enche, até à meia-noite, as ruas principais de Málaga dando-lhes uma alegria e um colorido que só visto.
Como não vivo em Santa Susana nem em Málaga transporto tudo o que observo em viagem para a minha região e para a terra onde vivo e trabalho. E o resultado é desanimador. Ainda por cima isto vai de mal a pior. E o problema não é a falta de dinheiro. É a falta de bairrismo. A falta de liderança. A desfaçatez daqueles que nos tratam como indígenas. Perguntem aos escalabitanos se não gostavam de ter uma feira que lhes enchesse a cidade de gente e de festa durante 13 dias e vão ouvir a resposta. Só os senhores da CAP é que acham que não merecemos mais que uma festa porreira. Santa Susana nos valha já que Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Santarém, resolveu voltar-nos as costas.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Todos os nomes

Vítor Barros foi afastado da administração da Companhia das Lezírias. Terá sido desde o 25 de Abril o pior gestor que passou pela Companhia. Os agricultores não gostavam dele. Apesar daquele ar bonacheirão foi sempre muito arrogante na relação com os verdadeiros agentes de desenvolvimento que sustentam a Companhia e lhe dão nome. Vítor Barros foi afastado da administração por uma falha de gestão denunciada, segundo se diz, por uma pessoa que o próprio terá convidado para trabalhar na empresa pública. Mais do que um comissário político fraquinho do Partido Socialista, Vítor Barros foi um inábil na gestão, na relação com os agricultores e, para sua grande desgraça, na relação com a sua própria gente. Esperam-se melhores dias na Companhia.

Os políticos adoram jogadores de futebol que marcam golos, actores que enchem plateias, artistas que ficam famosos e, agora, cada vez mais, empresários de sucesso. Não admira por isso que ministros, secretários de Estado e políticos das mais variadas áreas do poder adorem juntar-se a estes agentes de sucesso quando a vida lhes corre bem.
Foi o que aconteceu mais uma vez em Amiais de Cima, Santarém, no passado dia 13, aquando da visita do ministro da Economia, Vieira da Silva, a pretexto da assinatura do protocolo entre o IAPMEI e a empresa  J.J. Louro Pereira. É público que o empresário de Amiais de Cima tem uma actividade empresarial de grande sucesso; que, graças a uma gestão familiar das suas empresas, tem um êxito que não é comum encontrar por esse mundo fora. Quem conhece a forma como a empresa é gerida não achará nada de especial. O Senhor Louro trabalha todas as horas do dia e faz questão de ser o bom e o mau da fita, chova ou faça sol na empresa. A sua mulher, Isabel Brissos, é a pessoa que o acompanha a todas as horas sempre ao seu lado mas também onde ele não pode estar ou não sabe estar tão bem como ela.
E são eles dois que da mesma forma que agarram numa vassoura para varrer o chão de uma sala sabem procurar e encontrar um cliente, em Portugal ou no estrangeiro, que lhes garanta a compra da produção para meia dúzia de anos. E não estamos a falar da gestão de uma pequena e simples empresa. A família Louro gere várias empresas e dá emprego a cerca de 1300 pessoas.
Não gosto de ver os políticos a darem sinais de que o país não é só Lisboa e, assim que acabam de “assinalar”, aí vão eles nas suas comitivas de gente ociosa a caminho dos gabinetes de Lisboa onde se partilha o Poder.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Bandarilhas assassinas

Contrariando aquilo que é norma num grupo de forcados, que é marcar um treino do grupo para uma picaria ( em Vale de Cavalos), um antigo cabo do grupo da Chamusca, no tempo em que eu tinha 18 anos, mandou-me para a cara de quatro vacas à saída do curro. Lembro-me como se fosse hoje do medo que tive e do êxito que arrecadei graças ao excelente conjunto de forcados que o grupo tinha na altura.
Perdi o medo de ir para a cara de um animal e hoje vejo com os olhos bem abertos um forcado a levar umas cornadas de um toiro e, embora me emocione como toda a gente, o meu entendimento é que só se perdem aquelas que ficam no chão. Esta crueldade foi-me ensinada e não sinto qualquer vergonha em a assumir.
Já quanto à crueldade a que os toiros estão sujeitos enquanto são toureados a minha opinião é diferente daquela de há muitos anos. Os defensores dos direitos dos animais têm razão quando se manifestam. Aquelas bandarilhas com arpões de cinco centímetros de comprimento e dois centímetros de largura, quando não são ainda maiores, podiam ser evitadas e a festa não perdia com isso. O sofrimento do animal era minorada, e de que maneira, e nem por isso os artistas viam prejudicada a sua arte.
Porque conheço bem os meandros da festa, e senti na carne o carácter dos animais, pegando-os ou ajudando a pegar, não compreendo como é que ainda há directores de corrida que deixam tourear animais tão nobres em deficientes condições físicas, muitas vezes com problemas causados durante a embola ou no transporte para a praça, entre muitas outras causas possíveis. Outra questão: embolar um toiro, depois de lhe cortar os cornos, se não for feito por quem sabe da poda, pode configurar um crime ainda maior que fazer sofrer o toiro na praça em deficientes condições físicas, ou com aquelas bandarilhas com arpões que metem medo só de os termos por perto; para se conseguir embolar um toiro recorre-se muitas vezes a métodos pouco ortodoxos que violam as leis dos direitos dos animais. E, por último: os forcados morrem por causa das bandarilhas. E o que é curioso é que toda a gente fecha os olhos como se alguns forcados tivessem escrito na testa que nasceram para morrerem durante uma pega por causa da puta de uma bandarilha que resolveu fazer história. Ridículo e lamentável continuar a defender-se que sem bandarilhas assassinas a festa dos toiros perde a graça.
Que fique bem claro que esta minha atitude de aliado dos defensores dos direitos dos animais não tem nada a ver com o sacrifício dos forcados. Sou pelas tradições mas sem o uso da crueldade. Assim como já não gosto de ver fotos de leões mortos em caçadas ( acabei de reler, por tanto gostar, África Minha, e de visitar em Copenhaga o Museu de Karen Blix), nem de elefantes mortos a tiro por caçadores de marfim, também entendo cada vez mais que a festa dos toiros deveria ter mais em conta a dignidade e o carácter do animal e menos os interesses e os velhos hábitos ( em muitos casos ainda marialvas e fascistas ) dos artistas que vivem da festa.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Matar pardais

A maioria das pessoas públicas, com responsabilidades políticas e sociais no nosso país, julgam que os jornais e os jornalistas são todos iguais. Mais coisa menos coisa ou somos todos umas grandes bestas ou uns tipos bestiais. É conforme o prato da balança onde somos pesados e o dono e os interesses do dono da balança. Mais de duas décadas depois de ter dedicado a minha vida a esta profissão mantenho o espírito inicial; se for preciso pago para editar o meu jornal. Se for preciso também pago para escrever. Se não tiver outra solução desvio do orçamento familiar o que for necessário para pagar o preço do papel do jornal onde escrevo, tenha 8 ou 80 páginas. Claro que tudo isto tem limites. E eu também não nasci ontem e não hei-de andar por aqui assim tanto tempo que valha a pena despir a pele.
A generalidade das pessoas públicas e com responsabilidades políticas e sociais julga que compram um jornal ou um jornalista com a mesma facilidade com que pagam uma avença a um cacique de serviço. Não tenho qualquer intenção de contribuir para a mudança de mentalidades desta gente antiga e retrógrada que nos governa na maior parte das instituições. Mas é dever de quem é jornalista, e leva esta profissão a sério, repetir até à exaustão que não se cala com uma simples mordaça uma voz que nasceu livre e entretanto ganhou asas.
Ao longo da minha vida profissional, exposto como todos os que servem a causa pública, também já fui vítima de jornalistas que são pagos para escreverem, independentemente daquilo que a sua consciência manda. Nunca lhes liguei importância e a resposta mais ordinária que lhes dei foi o desprezo que é a melhor arma que conheço para matar pardais.
Também é claro como a água que um tipo como eu, que aprendeu a nadar no Tejo aos oito anos, ainda por cima às escondidas dos pais e dos avós, não pode ser levado muito a sério. Um tipo como eu, que se for preciso paga para escrever, seja num jornal de 8 ou 80 páginas, um tipo assim não pode ser lá grande coisa. É exactamente por isso que eu, e muitos outros como eu, pagam do bolso para escrever tal como alguns médicos consultam de borla, alguns advogados defendem em tribunal sem cobrar um cêntimo, e muitos outros profissionais pagam do seu bolso para serem úteis à comunidade onde vivem e sentem orgulho de pertencer; e até agradecem que nem dêem por eles.
Agora é moda abrir os noticiários das televisões com os resultados financeiros das empresas que dominam a nossa economia. Todos os dias vamos para a cama com o Espírito Santo, o Belmiro, o Zeinal e mais os não sei quantos gestores milionários que, à luz do jornalismo actual, são os grandes protagonistas do “cada dia nos dai hoje”. Eu pago do meu bolso, se for preciso, para continuar a trabalhar nas aldeias do meu país, editando notícias de proximidade e servindo a minha região, mesmo na condição de colono, num país onde os grandes empresários abrem bancos e superfícies comerciais para arrecadarem a dizima como nos velhos tempos.