quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Matar pardais

A maioria das pessoas públicas, com responsabilidades políticas e sociais no nosso país, julgam que os jornais e os jornalistas são todos iguais. Mais coisa menos coisa ou somos todos umas grandes bestas ou uns tipos bestiais. É conforme o prato da balança onde somos pesados e o dono e os interesses do dono da balança. Mais de duas décadas depois de ter dedicado a minha vida a esta profissão mantenho o espírito inicial; se for preciso pago para editar o meu jornal. Se for preciso também pago para escrever. Se não tiver outra solução desvio do orçamento familiar o que for necessário para pagar o preço do papel do jornal onde escrevo, tenha 8 ou 80 páginas. Claro que tudo isto tem limites. E eu também não nasci ontem e não hei-de andar por aqui assim tanto tempo que valha a pena despir a pele.
A generalidade das pessoas públicas e com responsabilidades políticas e sociais julga que compram um jornal ou um jornalista com a mesma facilidade com que pagam uma avença a um cacique de serviço. Não tenho qualquer intenção de contribuir para a mudança de mentalidades desta gente antiga e retrógrada que nos governa na maior parte das instituições. Mas é dever de quem é jornalista, e leva esta profissão a sério, repetir até à exaustão que não se cala com uma simples mordaça uma voz que nasceu livre e entretanto ganhou asas.
Ao longo da minha vida profissional, exposto como todos os que servem a causa pública, também já fui vítima de jornalistas que são pagos para escreverem, independentemente daquilo que a sua consciência manda. Nunca lhes liguei importância e a resposta mais ordinária que lhes dei foi o desprezo que é a melhor arma que conheço para matar pardais.
Também é claro como a água que um tipo como eu, que aprendeu a nadar no Tejo aos oito anos, ainda por cima às escondidas dos pais e dos avós, não pode ser levado muito a sério. Um tipo como eu, que se for preciso paga para escrever, seja num jornal de 8 ou 80 páginas, um tipo assim não pode ser lá grande coisa. É exactamente por isso que eu, e muitos outros como eu, pagam do bolso para escrever tal como alguns médicos consultam de borla, alguns advogados defendem em tribunal sem cobrar um cêntimo, e muitos outros profissionais pagam do seu bolso para serem úteis à comunidade onde vivem e sentem orgulho de pertencer; e até agradecem que nem dêem por eles.
Agora é moda abrir os noticiários das televisões com os resultados financeiros das empresas que dominam a nossa economia. Todos os dias vamos para a cama com o Espírito Santo, o Belmiro, o Zeinal e mais os não sei quantos gestores milionários que, à luz do jornalismo actual, são os grandes protagonistas do “cada dia nos dai hoje”. Eu pago do meu bolso, se for preciso, para continuar a trabalhar nas aldeias do meu país, editando notícias de proximidade e servindo a minha região, mesmo na condição de colono, num país onde os grandes empresários abrem bancos e superfícies comerciais para arrecadarem a dizima como nos velhos tempos.

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