quarta-feira, 23 de março de 2011

Um escritor eterno

Uma visita à aldeia de Glória do Ribatejo no passado domingo serviu para recuar uns anos e perceber melhor o tempo que vivemos. Na companhia dos camaradas mais novos da redacção vivemos um dia de trabalho e de lazer que deu pano para mangas. Conto um episódio que me fez rir e ao mesmo tempo me deixa a pensar no que ando eu a fazer que outros não tenham já tentado sem sucesso.
No museu etnográfico o organizador compôs uma moldura com uma mula em várias posições. De pé, a cair, e no final outra vez de pé. Chamei quem estava mais perto de mim e fiz o desafio de me explicarem que cena era aquela que as imagens nos tentavam ensinar.
Está a dar à luz, começou por explicar a primeira camarada. Não, está a morrer disse a segunda; Eu acho que o animal está a cair para descansar e a levantar-se porque entretanto já descansou disse um outro. Estava com os copos, diz outro a brincar com a situação. Está doente e não se aguentou nas pernas disse por fim a mais jovem das camaradas depois de algumas risadas pelo meio principalmente da minha parte ao perceber que nenhum deles conseguia explicar a situação. E o que nos mostrava afinal a representação das fotos? Uma mula a deitar-se no chão para se espojar e de seguida a levantar-se como fazem todas as mulas depois de se sentirem satisfeitas.
Ora é por isso que a minha mãe me diz, quando quer embirrar comigo, que eu estou sempre espojada no sofá lá de casa. Afinal está a chamar-me mula e eu não sabia, concluiu uma outra camarada provocando a risota geral no grupo dando-me ao mesmo tempo o pretexto que precisava para contar esta história nada exemplar.
Tenho respeito e devoção pela memória e pela Obra de Alves Redol. Foi dos primeiros escritores a formar a minha personalidade e a criar consciência de classe. Nunca esquecerei a emoção ao ler Gaibéus, Avieiros, Olhos de Água e Barranco de Cegos. Encontrar num romance a história dos homens e das mulheres da minha terra foi das coisas mais emocionantes da minha juventude. Revejo agora as edições da Europa América, num papel amarelecido pelo tempo, e lembro-me das vezes em que procuro um livro na minha estante e dou conta que, afinal, li-o quando ainda não tinha dinheiro para comprar livros e recorria à biblioteca itinerante da Gulbenkian.
“Não há como a juventude para espantar receios”. Foi, também, esta frase assinalada em Gaibéus que me levou a escrever esta crónica e a expor-me, a mim e a alguns dos meus jovens camaradas de trabalho, a esta coisa tão simples de descer à terra e concluir, como Redol, que “é bem certo que o tempo goiva os homens”.

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