quinta-feira, 19 de maio de 2011

Por nada deste mundo

Sempre que escrevo esta crónica lembro-me que sou lido por meia dúzia de pessoas que conheço bem e por quem tenho estima e admiração, por escreverem melhor do que eu e serem muito mais exigentes do que eu sou antes de darem um texto por terminado.
Um dia, há muitos anos, li da pena de um jornalista brasileiro que entre dois pontos finais usar uma só vírgula é um atentado à pontuação de uma frase. Pois é o que mais vejo por aí nos livros e nos jornais. Hoje, ontem, no dia em que alinhavo esta crónica, passei as mãos pelas novidades literárias e encontrei a poesia reunida de um daqueles poetas da moda e encontrei num só poema, que nem enchia uma página, cinco “mas”. Lembrei-me logo de um outro jornalista famoso que na sua autobiografia romanceada a certa altura pede desculpa aos leitores por usar um “mas” no início de uma frase.
Cheguei aqui para deixar claro que em muitos dos meus textos sinto que não apuro a linguagem como gostava. Não sou curto e grosso, ou sensível e delicado, conforme os casos, na forma como trato o português, umas vezes por preguiça outras vezes por falta de tempo (se tenho falta de tempo foi porque preguicei já que o dia tem 24 horas que dão para tudo e mais umas botas se não nos faltar a vontade de trabalhar; mas estes pensamentos não devem ser partilhados com os leitores por nada deste mundo).
Felizmente não sou muito lido. Só assim se explica que, até agora, tenha recebido apenas elogios para além de alguns comentários manhosos que acabam por morrer na caixa do correio do jornal às mãos de quem tem a missão de cheirar o azedo dos textos anónimos.
Metade desta crónica fica no computador por razões de decoro. Nos últimos tempos alguns de nós têm dormido com programas de gestão editorial, comercial e de facturação. Estamos a querer acompanhar os melhores na gestão de O MIRANTE para podermos ter dias mais fáceis no futuro.
Sempre que entra alguém novo na equipa e não se adapta apetece-me gritar-lhe aos ouvidos o que nós já passamos para chegarmos até aqui.
O que fica no computador é o orgulho ferido por continuarmos a trabalhar num país que é só Lisboa e um pouco da linha de Sintra; num país de gente mentirosa e maltrapilha que saiu cedo das cidades e aldeias do interior e agora tem vergonha do lugar onde nasceu. São esses que lixam isto tudo. Vieram do povo mas depressa se esqueceram das suas raízes e parecem lorpas encantadas a facilitarem a vida aos sucateiros e banqueiros que são mais ou menos os homens que mandam nisto tudo.
O que nos safa é a capacidade de trabalho e de adaptação. Sabemos trabalhar e se não temos possibilidades de comer lagosta compramos carapaus. Não há um único camelo na vida pública que se arrisque a atravessar o deserto na nossa companhia; somos muito mais resistentes que esses quadrúpedes do deserto nossos irmãos no infortúnio de vivermos no meio das tempestades de areia.

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