quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Chatos ao quadrado


Conheço imensas formas de viajar: uma delas é sentar-me à secretária a ler ou a escrever e fumar o meu cachimbo. Tenho meia dúzia deles comprados nas minhas viagens pelo mundo. E sempre que me apetece deixo-me ir pelo prazer da cachimbadela e pela recordação dos momentos que passei em cada cidade que conheci.
Depois de passar duas horas sentado numa cadeira a olhar para uma mesa, onde pontificava um conferencista chato e cinco outras figuras públicas que, em cinco minutos, despacharam palavras de circunstância, tomei boa nota da minha falta de paciência para continuar a contribuir para este peditório.
Uma conferência deve ser uma viagem em primeira classe e de preferência em boa companhia (mesmo que seja proibido fumar ou mascar pastilha). Ao contrário, e pelo que vou assistindo, a maior parte das iniciativas que pretendem discutir a nossa vida socioeconómica e cultural são dinamizadas por indivíduos que adoram ouvir o eco da sua voz; que têm o umbigo maior que a testa; que por serem autores de um livro, ou titulares de um cargo importante, repetem até à exaustão lugares comuns para auditórios rendidos à suposta importância institucional dos oradores.
Mal comparado, um sujeito que passa uma hora a discursar para depois abrir um debate, e só então dizer alguma coisa de interessante, faz lembrar aqueles jornalistas que depois de ouvirem uma excelente conferência, sem tirarem uma única nota para o papel, esperam pelo final da sessão para fazerem as mesmas perguntas de sempre, deixando escapar, por preguiça e falta de profissionalismo, o que de importante o orador ofereceu durante a sua palestra.
Somos cada vez menos nas conferências e nos debates porque são cada vez mais os chatos que se sentam nas mesas de honra e nas cadeiras do público à espera da vez para nos debitarem mais do mesmo. Regra geral é assim; fala o chato e depois a seguir abre-se o debate que não é debate mas a possibilidade dada aos convidados, que são quase sempre os mesmos, de eles próprios darem também a sua opinião sobre o tema.
Quando se dá o caso de alguém fazer perguntas incómodas aos chatos, arrisca-se a sair da sala enxovalhado. Se houver um moderador, e ele se lembrar de proibir intervenções que não sejam perguntas directas e sucintas aos elementos da mesa, corre o risco de ser considerado fascista ou comunista, conforme o ambiente e as cores das camisolas. Sim, não é normal numa conferência, ou num debate, ter mão firme com os assistentes de forma a não se tornarem, também eles, uns chatos ao quadrado.
É muito chato o texto desta crónica. Percebi isso assim que comecei a escrever sobre o tema. Há alturas em que a palavra não rende. Parece o euro face ao valor do ouro.
Enfim, não é por isso que vamos fechar a loja. A semente está na terra. É preciso deixar que o tempo faça a sua parte.

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