quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O caso de duas crónicas desaparecidas


Uma senhora na casa dos setenta anos, empurrando um carrinho de bebé, entrou pela nossa porta adentro para comprar um espaço de publicidade a anunciar o desaparecimento do seu filho com cerca de 40 anos.
De olhos baixos, voz dorida, rosto macerado, a senhora discutiu o preço do anúncio até ao cêntimo. E não fosse a intervenção de alguém ligado à administração o anúncio tinha ficado pelas intenções.
Como é norma na casa daí a pouco já havia um jornalista a tratar do caso e a fazer notícia.
O MIRANTE tem uma porta aberta para a comunidade, serve os interesses de uma vasta região, e isso é um dos nossos maiores motivos de orgulho. E o jornal não é um negócio que está por detrás de um outro negócio. Quem aqui trabalha vive disto e só para isto. Desde sempre. Quem não sabia fica a saber. O MIRANTE é, ainda, o único jornal de referência em Portugal que não pertence a um grande grupo económico. Não sei se é bom se é mau. É a verdade.
Há um reverso da medalha que também merece ser contado. Há uns meses um pai babado, com voz de abelha, pediu a um jornalista um trabalho sobre o filho desportista que tinha ganho um daqueles prémios internos que os clubes dão aos seus melhores atletas. Como era um clube grande e de bons exemplos lá fomos nós dar visibilidade ao filho da abelha.
Dois dias depois do jornal seguir para o correio um camarada de outro sector do jornal passou pelo balcão do dito cujo e ofereceu-lhe a edição para ele se orgulhar da presença do filho nestas páginas que são pagas a bater sola pela região e graças à aposta dos nossos anunciantes.
A abelha fez cara de poucos amigos, inchou o rabo onde tinha um ferrão, e lá disse que tinha gostado muito de ver a foto do abelhinha mas que o texto era quase uma cópia daquilo que já tínhamos publicado há três anos numa outra edição; e que para isso valia mais estarmos quietos; e que dissesse lá ao director que estivesse de olho nos jornalistas; e que da próxima vez que tivesse mais novidades para dar sobre o percurso do desportista abelha cobrava o valor da notícia.
Estes dois exemplos, em tudo diferentes como a noite do dia, que marcam o dia-a-dia do nosso trabalho como jornalistas e homens da comunicação, servem para que deixe para sempre no computador duas crónicas sobre o jornalismo miserável das nossas televisões; os maçons; os banqueiros; as greves injustas e perigosas para a democracia dos maquinistas da CP e dos trabalhadores portuários que, sendo poucos, muito poucos, se aproveitam do facto de terem um poder que faz parar o país e deixa mais pobres milhões de portugueses que pagam a crise todos os dias.

Sem comentários:

Enviar um comentário