quarta-feira, 25 de julho de 2012

Os cancros não se escolhem


Tinha 18 anos quando aconteceu o 25 de Abril. Era politizado quanto bastava para saber que terreno pisava. Trabalhava na taberna e cervejaria mais movimentada da minha terra e misturava-me nas conversas sobre política, muitos anos antes do 25 de Abril, que aconteciam muitas vezes à volta de uma mesa com os cuidados que eram necessários nessa altura. Mas nem por isso em voz baixa e temerosa. Depois da revolução dos cravos, e embora tenha saído à rua como toda a gente, sempre me faltou vocação e coragem para a vida política. Andei por lá, à esquerda, sem filiação partidária e com o espírito mais rebelde que se pode imaginar num jovem sem liceu e sem universidade, apenas com a tarimba do ofício de vender, e beber, copos de vinho e cervejas.
Até aos 23 anos não fiz mais do que aguçar o meu espírito crítico e anárquico. Depois de me emancipar, mais ou menos por essa idade, encontrei o caminho por onde ainda gosto de gastar as solas. Nunca quis, nem quero, uma casa ou um emprego para toda a vida; Não quero, não gosto, nem tolero que a minha vida seja sempre a procura habitual do prazer da comida, do sexo , da riqueza ou do poder.
Vejo o mundo desde os meus 13 anos com os olhos de um descrente. “Para a grande maioria da humanidade, desde sempre, no tempo histórico ou geográfico, o poder e a lei e o princípio de igualdade nos assuntos legais e políticos são simplesmente irrelevantes; a história das nações, sociedades e culturas tem sido, com raras excepções, a de várias ordens de relações de poder teocráticas, ditatoriais, paramilitares ou ditadas pelo espírito de clãs” (George Steiner).
Claro que em termos aristotélicos, como escreve ainda Steiner, essa abstenção é uma imbecilidade, uma vez que dá aos bandidos, corruptos e medíocres, todos os incentivos e oportunidades para tomarem o poder.
A verdade, no meu caso, é que contento-me cada vez mais com a ideia de que sou um cidadão não lucrativo ao dedicar-me, mais do que é normal, à leitura de poesia ou a ouvir música de Bach e Maller, a compor problemas de damas e a querer saber tudo sobre o Bosão de Higgs.
Apesar de ter consciência que o nosso entendimento do mundo aumentou mais de cem vezes nos últimos dois milénios, e de que uma criança de escola pode aprender hoje aquilo que na antiguidade era inacessível a Arquimedes ou a Galileu, apesar de tudo isso, sinto-me melhor na especulação filosófica ou a escrever poesia que a trabalhar para alimentar o progresso ou aquilo a que nos habituamos a chamar “sociedade capitalista”.
Para o bem e para o mal os cancros não se escolhem. E, nesta coluna, também não me nego a combater aquilo que eu acho que é a mediocridade reinante. Levo a sério a frase de James Joyce criticado por ter uma actividade exasperante para os poderes instituídos: “Espremam-nos que somos
azeitonas”.

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