quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quero ser dinamarquês


Vivo e trabalho numa região das mais ricas do país a poucas dezenas de quilómetros de Lisboa. Nem por isso me sinto mais privilegiado que os habitantes de Chaves ou de Bragança. Por viver tão perto do Terreiro do Paço sinto em dobro a frustração de ser contribuinte de um país de zarolhos, de cabrões que mandam no sistema judicial, económico e social do meu país com a mesma facilidade com que mando à merda a administração da gasolineira que acaba de nos exigir uma garantia bancária se quisermos continuar a usar o cartão de frotista.
O sistema capitalista funciona com todas as regras e ai daqueles que ousarem desafiar o poder instituído. Só os filhos da puta sobreviverão num sistema onde quem manda são os filhos das mesmas mães.
Se não nos soubermos organizar na defesa dos nossos direitos, e no seio da sociedade civil a que pertencemos, morreremos na boca dos cães que governam as instituições públicas que por sua vez são governadas pelos poderosos sem rosto que só sabem que nós existimos (nós, o povo, a arraia miúda, os escravos dos impostos) porque temos um número de identificação.

A defesa da RTP como instituição de serviço público é a maior macacada da nossa democracia e mostra à saciedade que no jogo demagógico o PCP é igual ao CDS. A RTP é um buraco no orçamento do Estado e uma empresa onde cabem, conforme os governos, todos os amiguinhos. É ainda um órgão de informação onde os políticos com Poder metem o bedelho sempre que querem e sem contemplações. Só quem não conhece o sistema é que tem ilusões. Só quem não está por dentro do sistema é que acredita em milagres. Os políticos só não esmagam os que dependem deles porque têm medo de ficar com o engaço nas mãos; mas espremem até onde podem; e todos nós sabemos como eles podem e o que podem.

Os jornais de referência de todo o mundo publicaram e continuam a publicar na primeira página, com fotos em grande destaque, as notícias do julgamento e agora da condenação do norueguês que assassinou a tiro e à bomba 77 pessoas na sua maioria jovens. Num mundo perfeito esta notícia seria sem foto e se tivesse chamada à primeira página seria de forma discreta. Um jornal que eu editasse jamais teria na primeira página a foto colorida e em pose de um fascista que sem qualquer tipo de arrependimento chacinou 77 pessoas que foram aquelas que apanhou pelo caminho até ser preso. Quem perceber esta forma de trabalhar perceberá porque estou contra a existência de uma empresa de comunicação social onde o Governo pode, quer e manda, como é o caso da RTP, que custa os olhos da cara a um Estado sem condições para respeitar os compromissos com os cidadãos reformados ou a precisarem de um serviço público de saúde.

Neste mês de Agosto há uma Unidade de Cuidados Continuados na nossa região, com cerca de vinte doentes, a pagarem mais de mil euros por mês, com apenas duas profissionais de saúde de serviço. Se isto não é ladroagem e canalhice então eu quero ser dinamarquês.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Os turistas trocaram Santarém por Tomar


São três horas da tarde de um dia de Agosto. Não sei se não era melhor estar de barriga vazia à beira do rio Tejo debaixo de um salgueiro se bem almoçado e entre quatro paredes organizando a minha vida e a dos outros.

Conheço certos tipos da minha idade que trabalham na administração pública que passaram estes anos todos sem fazerem a ponta de um corno. Trabalharam a maior parte do tempo para eles com os recursos que tinham à mão e abusando da confiança de quem lhes deu rédea larga. As crises também têm o seu lado bom; ajudam a moralizar a vida em sociedade; obrigam os bem instalados a saírem da toca.

Dantes as pessoas iam para a prisão por ficarem a dever aos seus fornecedores. Hoje, abrem insolvência e continuam ricas e abastadas gozando com os pobres dos credores que, em muitos casos, são pequenos empresários que investiram tudo o que tinham num negócio.

A nossa casa é a melhor do mundo; fresca no Verão e quente no Inverno. É uma obra da arquitectura moderna. Lá dentro respiramos felicidade. Temos um pequeno problema; a casa do vizinho está a cair para cima da nossa e os bombeiros lá da terra dizem que podemos correr perigo de vida. Cada um que tire as suas conclusões na certeza de que este exemplo não é de nenhum livro de ficção.

Se somos pessoas normais o normal é darmos uma terceira oportunidade às pessoas que falham connosco. Embora, regra geral, quem precisa de uma segunda oportunidade precisa de uma terceira e de uma quarta e por aí adiante.

Há 20 anos propus a quem trabalhava comigo que fechássemos o jornal para férias durante quinze dias de Agosto. Riram-se na minha cara e mostraram-me que eu os subestimava. Em 20 anos muita coisa mudou. Mas neste capítulo só mudámos de sorriso: agora rimo-nos da ingenuidade da altura. Ainda hoje dizemos em uníssono: quando fecharmos para férias o mais certo é já não reabrirmos.

Em rapaz quase todos os dias passava fome. Era debiqueiro. A minha avó é que me safava dos talos das couves e do resto dos legumes. Açorda era o meu prato preferido. Acabo de comer um filé mignon e sinto-me um sortudo. E todo eu sou vontade de me tornar vegetariano.

“Quem agarrar na charrua e olhar para trás não é digno do reino de Deus”. “Não vos preocupeis com o dia de amanhã pois o amanhã tomará conta de si mesmo. A cada dia basta a sua pena”. Leio os meus escritores preferidos e vejo como gostam de citar a Bíblia.
Sou dos que agarra na charrua e olha para trás; sou dos que se preocupam com o dia de amanhã e, às vezes, durmo mal só de me lembrar o que tenho para fazer nos dias seguintes. Como eu gostava de ser mentiroso e acreditar nas minhas próprias mentiras; como alguns políticos; como alguns mentirosos que se confessam aos padres e se dizem discípulos de S. Francisco.

Adoro filé mignon mas não deixo de pensar na hipótese de um dia me render à vida vegetariana. Já passei por muito pior e sobrevivi.

Nota: o título da crónica é só para lembrar que a principal promessa de Moita Flores quando veio para Santarém não foi comprar aquecedores para as criancinhas das escolas. Nem ligar os esgotos e distribuir água ao domicílio. Essa conversa é a do Raul Solnado nos seus melhores tempos.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Saramago, os idiotas da política e os livros


A responsabilidade de manter um espaço de crónica faz dos autores cronistas a tempo inteiro ainda que as palavras da crónica se juntem apenas uma vez por semana como é o caso.
Não fujo, regra geral, aos interesses dos leitores que gostam de ler sobre o que lhes está mais próximo. Mas confesso que muitas vezes tenho consciência que, cumprindo a minha missão, faço mais o gosto ao dedo que aos leitores. É o caso desta semana.
No sábado passei a manhã de banca em banca de livros a comprar preciosidades a um, dois e cinco euros, livros que não tenho a certeza que consiga ler ainda a tempo ou, dito de uma forma mais directa, que chegue a ter tempo de vida para os ler. Alimentar essa esperança é uma boa razão para viver mais feliz ainda que a vida, tal como o melhor livro, nunca chegue para nos satisfazer na plenitude.
Da biografia de Pedro Álvares Cabral, que desconhecia e que se tem revelado uma leitura apaixonante, a um livrinho de Alberto Moravia, acabei rendido a um romance de Javier Marias, um escritor espanhol que é autor de um livro chamado “Vidas Escritas”, livro que levaria para uma ilha deserta. “Todas as Almas” é o título do livro que me custou dois euros; uma edição do ano de 2000 com uma pequena apresentação de António Lobo Antunes que aproveita para dizer que Marias é um dos mais importantes escritores espanhóis contemporâneos e “um autor cuja ficção deixa à légua o que aqui portuguesmente se escreve”. Um dia antes de ler, com um atraso de mais de 12 anos, as palavras de Lobo Antunes, li uma crónica de Baptista-Bastos no “Jornal de Negócios” a salientar o nosso complexo na relação com os espanhóis (“a inveja do nosso vizinho é de longa data”), afirmando aquilo que eu também penso mas não sou capaz de escrever tão bem como ele.

Conheço em boa parte as maiores cidades de Espanha e sinto-me personagem de Gulliver quando ando por lá e percebo o quanto estamos a milhas do poder económico, social e cultural dos nossos vizinhos. As suas cidades médias são, regra geral, mais bem organizadas que a melhor das nossas. E aquela gente soube preservar o seu património, sai à rua e habita as praças e os jardins públicos como nós ainda habitamos as casas por rebocar construídas ao fundo dos nossos quintais.
Nunca vi escrito que José Saramago deve em boa parte o prémio Nobel à influência de Espanha e dos espanhóis. A prova é que nos últimos anos da sua vida os ministros da Cultura do país vizinho marcavam presença em iniciativas do escritor onde nem compareciam os nossos patéticos secretários de Estado da Cultura. É evidente a presença amiga e institucional dos maiores da cultura espanhola na vida de Saramago antes e depois do Nobel. Em Portugal, durante muito tempo, o melhor que José Saramago teve foi um Sousa Lara que tinha precisamente a responsabilidade de secretariar o Estado, um lugar por onde passam, regra geral, os mais idiotas dos políticos da nossa praça. JAE

NOTA: Recentemente fui condenado no Tribunal por ter escrito sobre um político que ele era um idiota a governar. Espero bem que os sousas laras deste país não encontrem muitos juízes com a certeza de que chamar idiota a um político no activo é um crime com direito a castigo. Se for assim ainda vamos ter que voltar a escrever na clandestinidade; ou meter a viola no saco como conviria a muita gente.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Toiradas de borla…. e uma história de vida exemplar


O homem que mensalmente limpa os vidros das janelas da sede da redacção de                 O MIRANTE é pau para toda a obra. Um dia destes, já quase no final da jornada de uma tarde de trabalho, alguém o abordou para um trabalho de limpeza de um terreno. Assim que ouviu a pergunta sobre se fazia o trabalho ou conhecia alguém que o fizesse, o Senhor Luís ajeitou o ombro na porta do gabinete de trabalho, e contou a história, com orçamento e tudo, de uma outra solicitação para um trabalho do género.
De limpa vidros passou rapidamente para o papel de orçamentista usando a técnica mais apurada do gestor de negócios que sabe que o trabalho tanto pode valer cem, como mil, dependendo da qualidade e do dinheiro que o cliente tem para gastar.
Poupo os pormenores aos leitores mas deixo esta imagem que fala por si; antes de pedir as dezenas de euros pelo trabalho perguntou o que o seu interlocutor achava do outro orçamento e no balanço da resposta avançou um preço à velocidade da luz.
Depois, e enquanto não obteve uma resposta que o satisfizesse, contou um pouco da história da sua vida que alguns de nós já conheciam embora sem tantos pormenores.
Limpa vidros alguns dias por semana por conta de uma empresa da especialidade; profissional de segurança numa empresa da região que trabalha do Minho ao Algarve; jardineiro com clientes certos e biscateiro para todo o serviço incluindo limpeza de terrenos. É assim a vida profissional do Senhor Luís que ainda tem tempo e espírito para exercer voluntariado na associação de bombeiros da sua terra.
Conto a história porque este homem é o meu herói. Há anos (que sei eu sobre o tempo que vai passando e eu nem dou por ele!) que, ao cruzar-se comigo na empresa, me trata como se eu fosse a pessoa mais importante ao cimo da terra. Sempre pelo nome e da forma mais respeitosa que conheço. Não só para mim como para todos os que circulam nos corredores a quem mostra disposição para subir e descer o escadote as vezes que forem precisas de forma a facilitar a circulação.
Num tempo de desempregados; de greves às horas extras, de manifestações contra as leis do trabalho, de falta de mão-de-obra para tantos sectores importantes das empresas; num tempo em que toda a gente perde para os bancos a casa e o carro, e vende as jóias de família, este homem é um exemplo que eu jamais poderia deixar sem palavras.

O fecho da Escola de Hotelaria e Turismo de Santarém é mais um exemplo da incompetência política de Carlos Abreu e dos seus correligionários que durante anos governaram os interesses da cidade e da região sem prestarem contas julgando que governavam numa república das bananas. Quem veio a seguir não fez melhor porque os interesses estavam instalados e assim ficaram com a complacência de Francisco Moita Flores que acabou por fazer fumo onde tinha prometido fazer fogo.
A Casa do Campino, fica agora, só ao serviço do Festival de Gastronomia. É assim que se vê a importância da cidade de Santarém e dos políticos que a governam. E o povo que se contente com os bilhetes de borla para as toiradas.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Um dia especial


A crise continua a ser matéria para muita preguiça. Não resisto a escrever sobre a minha vida em tempo de crise. Na segunda-feira passei a manhã de empresa em empresa à procura de material para montar meio hectare de terra com um sistema gota a gota. Só numa empresa fui atendido por quem efectivamente queria vender o produto. Em quatro balcões fui tratado sempre com alguma simpatia mas sem notar qualquer esforço em segurarem-me como cliente. Acabei a comprar onde efectivamente foram solícitos, deram os melhores preços e prometeram ser mais rápidos a entregar a mercadoria.
Em todos os balcões recambiaram-me para outros. Achei curiosa a forma das pessoas que estão ao balcão serem úteis na informação ao cliente; mas fiquei a perguntar-me: quando o Correio da Manhã ou o Diário de Notícias vêm ao mercado de O MIRANTE roubar os nossos anunciantes, prometendo o que não conseguem dar como nós damos, será que o sector comercial de O MIRANTE também baixa os braços e deixa correr o marfim?

Em tempo de crise não percebo como quase toda a gente vai de férias em Agosto; como se mantém a mesma postura na gestão de um negócio sabendo que as vendas estão a cair e o dinheiro não entra em caixa de forma a chegar para cumprir os pagamentos graúdos à Segurança Social e ao Fisco, incluindo o pagamento do IVA facturado que as empresas só recuperam dos clientes muitos meses ou anos depois.
Depois desta viagem em nome da rega gota a gota encontrei-me à entrada da redacção do jornal com um homem que acaba de fechar uma das lojas mais antigas da cidade de Santarém.
Ia a caminho do parque de estacionamento não pago junto à Igreja de Santa Clara. Meia hora de conversa e nas suas palavras o Centro Histórico de Santarém ficou ainda mais deserto e em ruínas.

Na passada semana fui almoçar a um daqueles restaurantes antigos da zona histórica onde não entrava há uma eternidade. Nada de novo: uma sopa, um prego e uma cerveja ao balcão. Passaram duas pessoas pelo restaurante naquela meia hora. Ficou a memória dos símbolos do Benfica por todo o lado e o agradecimento do patrão na hora de pagar. E um especial “obrigado também pela visita” que registou a minha ausência de muitos anos.
Na terça-feira almocei em Alhandra no restaurante Voltar ao Cais. É o lugar e o restaurante que todos gostávamos de ter ao lado da porta de casa. “Ninguém sabe agradecer como uma senhora”; foi um dos pensamentos da altura que durou até à hora de escrever esta crónica. Nas cerca de duas horas de refeição o leito do Tejo subiu mais de meio metro num contraste gritante com o que conheço mais habitualmente do convívio com o rio.
Voltarei ao cais para voltar a ter um dia especial.