quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Saramago, os idiotas da política e os livros


A responsabilidade de manter um espaço de crónica faz dos autores cronistas a tempo inteiro ainda que as palavras da crónica se juntem apenas uma vez por semana como é o caso.
Não fujo, regra geral, aos interesses dos leitores que gostam de ler sobre o que lhes está mais próximo. Mas confesso que muitas vezes tenho consciência que, cumprindo a minha missão, faço mais o gosto ao dedo que aos leitores. É o caso desta semana.
No sábado passei a manhã de banca em banca de livros a comprar preciosidades a um, dois e cinco euros, livros que não tenho a certeza que consiga ler ainda a tempo ou, dito de uma forma mais directa, que chegue a ter tempo de vida para os ler. Alimentar essa esperança é uma boa razão para viver mais feliz ainda que a vida, tal como o melhor livro, nunca chegue para nos satisfazer na plenitude.
Da biografia de Pedro Álvares Cabral, que desconhecia e que se tem revelado uma leitura apaixonante, a um livrinho de Alberto Moravia, acabei rendido a um romance de Javier Marias, um escritor espanhol que é autor de um livro chamado “Vidas Escritas”, livro que levaria para uma ilha deserta. “Todas as Almas” é o título do livro que me custou dois euros; uma edição do ano de 2000 com uma pequena apresentação de António Lobo Antunes que aproveita para dizer que Marias é um dos mais importantes escritores espanhóis contemporâneos e “um autor cuja ficção deixa à légua o que aqui portuguesmente se escreve”. Um dia antes de ler, com um atraso de mais de 12 anos, as palavras de Lobo Antunes, li uma crónica de Baptista-Bastos no “Jornal de Negócios” a salientar o nosso complexo na relação com os espanhóis (“a inveja do nosso vizinho é de longa data”), afirmando aquilo que eu também penso mas não sou capaz de escrever tão bem como ele.

Conheço em boa parte as maiores cidades de Espanha e sinto-me personagem de Gulliver quando ando por lá e percebo o quanto estamos a milhas do poder económico, social e cultural dos nossos vizinhos. As suas cidades médias são, regra geral, mais bem organizadas que a melhor das nossas. E aquela gente soube preservar o seu património, sai à rua e habita as praças e os jardins públicos como nós ainda habitamos as casas por rebocar construídas ao fundo dos nossos quintais.
Nunca vi escrito que José Saramago deve em boa parte o prémio Nobel à influência de Espanha e dos espanhóis. A prova é que nos últimos anos da sua vida os ministros da Cultura do país vizinho marcavam presença em iniciativas do escritor onde nem compareciam os nossos patéticos secretários de Estado da Cultura. É evidente a presença amiga e institucional dos maiores da cultura espanhola na vida de Saramago antes e depois do Nobel. Em Portugal, durante muito tempo, o melhor que José Saramago teve foi um Sousa Lara que tinha precisamente a responsabilidade de secretariar o Estado, um lugar por onde passam, regra geral, os mais idiotas dos políticos da nossa praça. JAE

NOTA: Recentemente fui condenado no Tribunal por ter escrito sobre um político que ele era um idiota a governar. Espero bem que os sousas laras deste país não encontrem muitos juízes com a certeza de que chamar idiota a um político no activo é um crime com direito a castigo. Se for assim ainda vamos ter que voltar a escrever na clandestinidade; ou meter a viola no saco como conviria a muita gente.

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