quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O cheiro dos livros

Morreu recentemente um dos poetas mágicos da minha vida. António Ramos Rosa. Editamos com a chancela de O MIRANTE um dos seus melhores livros graças à amizade de um outro grande poeta chamado João Rui de Sousa, felizmente ainda vivo e a escrever da melhor poesia que se publica no mundo. Sinto orgulho por isso. Não sinto vaidade embora seja um sentimento que não me assusta. Esse trabalho, que foi muito mais prazer que trabalho, deu-me de volta ensinamentos que me ajudaram a formar como pessoa. Aprendi com Ramos Rosa a ler um livro diferente todos os dias. Foi há cerca de 20 anos e ainda mantenho o hábito. Gasto algum dinheiro a mais porque não tenho tempo para frequentar bibliotecas mas enriqueço-me a andar ao fim-de-semana de alfarrabista em alfarrabista, de livraria em livraria, conhecendo um dos mundos mais fascinantes que são as estantes e as caixas cheias de livros que muitas vezes cheiram a galinheiro mas depressa se perfumam do cheiro a frango assado.
No passado fim-de-semana comprei quatro livros por oito euros. A meio da tarde, com os livros no banco do carro, paguei quase doze euros no parque de estacionamento.
Dois desses livros são edições que já tenho na minha estante mas que me interessam por incluírem novos textos. Devorei em duas noites e duas manhãs de leitura na cama “O que Sentem as Mulheres”, de Nativel Preciado, e “Cartas a un buscador de si mesmo”, de Henri David Thoreau, assim mesmo, em língua castelhana, o que exige muito mais atenção uma vez que as campainhas do dever profissional nunca desligam na minha cabeça que está sempre a inventar.
É tão bom ter tempo para ler livros. Um dia quando morrer quero ser cremado dentro de um caixão cheio de mim e de livros; quero ir para a lua a cheirar a galinheiro e a frango assado. JAE

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma edição de prestígio

O MIRANTE é um jornal cheio de histórias de vida; histórias que nos contam e outras que nos atrevemos a contar. Esta semana foi pródiga em telefonemas de leitores que acham que têm uma história para contar. Desde o senhor que não teve direito a casa-de-banho num serviço de atendimento público até àquele que acha que nós temos obrigação de publicitar em texto editorial a sua actividade comercial. O comentário vem a propósito da edição do 26º aniversário de O MIRANTE, a 16 de Novembro, em que estamos a trabalhar há quase dois meses. Vamos eleger marcas locais, regionais e globais; vamos editar um jornal de aniversário feito à medida dos nossos objectivos editoriais e comerciais que será, provavelmente, o nosso melhor trabalho de sempre.
É este entusiasmo e esta entrega que apetece partilhar numa altura em que toda a gente se queixa da crise. Quem faz as terras são os Homens; quem faz as regiões são as instituições e as pessoas que vêem para além do fundo da rua onde vivem.
Entre mil pretextos para escrever o comentário desta semana escolhi falar da nossa edição de aniversário sabendo, no entanto, que muita água ainda vai correr Tejo abaixo até alcançarmos os nossos objectivos. Fica aqui o testemunho que é uma prova de confiança na equipa de O MIRANTE e nos profissionais que todas as semanas produzem e editam o jornal regional que é líder de mercado.

Na passada semana o ministro da Educação de Angola, Pinda Simão, estave em Santarém de visita à Escola Profissional do Vale do Tejo. Numa altura em que tanto se fala das relações entre os dois países, e é notícia aquilo que interessa só aos politiqueiros do costume, importa registar a passagem da comitiva angola que acabou em Portugal um périplo por alguns países da América Latina. Como vem sendo habitual a visita de trabalho do ministro angolano a Santarém, que durou várias horas e incluiu almoço e visita à escola e à cidade, não interessou à generalidade da comunicação social nem às entidades que mais tinham a ganhar com o acontecimento. Enquanto as televisões e alguns jornais fazem a agenda do Governo, vão servindo em horário nobre os enlatados do costume, o país continua a ser um sítio mal frequentado como escreveu um dia o poeta Alexandre O’Neill que deixou em testamento parte da sua biblioteca à vila de Constância. JAE

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Moita Flores e os amigos

Francisco Moita Flores fez História em Santarém ao dar uma entrevista ao jornal O Ribatejo 15 dias antes das últimas eleições autárquicas onde só falta chamar “Pai de Santo” a Ricardo Gonçalves. Moita Flores deixou Ricardo Gonçalves no seu lugar de presidente de câmara mas por razões que não consegue explicar em quatro páginas de entrevista ao referido jornal resolveu acusá-lo publicamente de não ter cabeça para a herança que lhe deixou entre muitas outras acusações que pareciam uma confissão bêbeda.
Para um homem que se diz franciscano e de bons costumes convinha perceber que razões o levaram a querer contribuir para a derrota política do homem que deixou no seu lugar e que o libertou para outras guerras políticas que abraçou com grande empenho.
Tendo em conta a vitória anunciada de Ricardo Gonçalves, já que as sondagens do PS e do PSD nunca foram muito divergentes, e deram sempre a vitória a Ricardo Gonçalves, Moita Flores julgou-se com capacidade para intervir no processo eleitoral em Santarém dizendo “cobras e lagartos” de Ricardo Gonçalves para prejudicar, ou atropelar, a vitória que parecia cantar-lhe desde que assumiu a candidatura. E que acabou por se confirmar com uma votação que quase chegava à maioria absoluta.
Moita Flores saiu derrotado da tentativa de minimizar Ricardo Gonçalves e acabou também perdedor no concelho de Oeiras onde, durante a campanha eleitoral, só faltaram tiros de pistola para animar a festa.
Não vi até agora nenhum sinal de arrependimento sobre declarações tão infelizes de alguém que saiu a meio do mandato para ir cuidar da sua vidinha. Por entender que a História não pode ser contada só por uma parte deixo aqui este registo para mais tarde recordar. Moita Flores é muito mais de fazer inimigos do que de fazer amigos. Mas engana muito bem. Tiro-lhe o meu chapéu de provinciano e ribatejano charnequenho. JAE

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Outono, Inverno, Primavera, Verão… Outono*

O Outono é a melhor das estações para mudarmos de vida. O Outono tem o rosto do sono; de um dia para o outro estamos no Outono como saímos e entramos involuntariamente nos olhos de uma mulher de 30 anos com umas pálpebras de uma mulher de 60. O Outono é a revolução da Primavera; a escultura que fica da primeira derrota do artista que anda a brincar com a natureza. O Outono chama-se Constância, Aldeia do Mato, Dornes, Azinhaga, Valada, Palhota, Azambuja, Porto das Mulheres, nomes de aldeias e lugares que fazem lembrar os campos do Ribatejo no tempo das antigas searas de aveia, cevada e girassol. O Outono é o rio Tejo renascido com as primeiras águas da chuva que ajudam a limpar as marachas poluídas de todos os banquetes de Verão à beira-rio. O Outono é a estação das palavras mágicas que encontramos no romance “As Bicicletas em Setembro” do escritor Baptista-Bastos.
O Outono é  residência oficial da paisagem ribatejana; de um dia para o outro o pôr-do-sol parece que engoliu o arco-íris; depois das colheitas do tomate, do milho e das uvas, as terras do campo ficam quase nuas, com o sexo escondido no restolho, e entre o rabisco que é alimento de muitas e variadas bocas.
O Outono é a melhor das estações do ano para recordarmos os nossos avós; para comermos os últimos figos directamente da figueira; para visitarmos um lar de terceira idade com os bolsos cheios de caramelos;
Este ano festejo o meu aniversário em pleno Outono, quando caem as folhas das árvores, quando as raízes adormecem, quando os cogumelos selvagens começam a valer dinheiro. Para o ano espero comemorar o aniversário no Inverno; e no outro ano em plena Primavera, e  no ano seguinte no Verão, e assim sucessivamente de estação em estação até ao Outono final.
*Título inspirado no filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera” que é um dos filmes da minha vida. JAE