quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O clube dos homens

Sou um viciado no jogo de cartas. Era adolescente e já me sentava na mesa de jogo ao lado de homens que tinham idade de serem meus pais e tudo tentavam para me fazerem o ninho atrás da orelha. Nessa altura viciei-me para toda a vida no jogo do burro; da sueca; do king e do sete e meio; sempre a dinheiro e com parceiros como o José Joaquim Estorninho que morreu recentemente com 86 anos. Foi nessa época, entre a adolescência e a idade adulta, que o gosto e o vício do jogo constituíram uma das disciplinas mais importantes na minha formação. Aprendi a ganhar e a perder mas mais importante foi a forma como aprendi a ver como os meus parceiros de mesa se comportavam na hora da vitória e da derrota; esse foi o ensinamento mais importante que ainda hoje me faz pensar que contínuo viciado no jogo embora não pratique.
O melhor lugar para conhecer uma pessoa é a uma mesa de jogo. Ter 18 anos e poder bater as cartas na mesa contra adversários que tinham filhos da minha idade foi um privilégio. Sentado numa mesa de jogo sete horas seguidas aprendi a dar valor ao tempo que roubava às minhas leituras; fumando um maço de cigarros durante uma noite de jogatina aprendi a controlar o vício do tabaco; ouvindo dos mais velhos algumas ameaças que incluíam “um murro nos cornos” aprendi a calar a boca quando tenho razão e discuto com pessoas cegas e desonestas.
Um dia vou voltar a jogar as cartas como no início da minha idade adulta. O meu desejo é que seja contra adversários jovens com idade de serem meus filhos. Essa é a minha grande ambição: envelhecer sem ter vergonha do vício de jogar, fumar e beber e, quem sabe, pertencer ao clube do D.I.V.A. ( Departamento de Investigação da Vida Alheia) que é o clube dos homens que se sentam num banco de jardim ao fim da tarde a verem passar as mulheres apontando o dedo a todas as que eles já comeram e às que eles não comeram mas sabem a quem é que elas dão o corpo.
JAE

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A viúva e o alfarrabista

Os portugueses estão espalhados pelo mundo mas é no Brasil que mais se sente a presença portuguesa nos quatro cantos da terra. Um dia entrei num sebo do nordeste brasileiro e visitei um livreiro que é poeta, músico, tradutor e coleccionador. A conversa durou uma tarde inteira sentados a uma mesa ao ritmo que os clientes iam deixando; Chama-se Marco de Faria Costa e durante horas citou de cor versos cantados por Amália Rodrigues e Francisco José; poemas de Mário de Sá Carneiro, Antero de Quental, Camões, Camilo Pessanha, Bocage, Vitorino Nemésio, entre muitos outros
Dona Sónia, com uma trança loira que chegava à cintura, acompanhava a conversa respondendo a perguntas de circunstância mas sempre com um sorriso do tamanho do Atlântico.
Comprei três livros e dois foram oferecidos e com direito a autógrafo. Todos os autores que gosto e cujas edições procuro sempre que viajo eram familiares ao livreiro. 
Sempre que falava do Castelo de Abrantes, do túmulo de Pedro Álvares Cabral, do Convento de Cristo ou das muralhas dos nossos castelos, o livreiro levantava-se, tirava um livro de uma prateleira e acabava a conversa completando a informação sobre a nossa terra e a nossa cultura de oitocentos anos.
O Estado onde ele nasceu e vive é do tamanho de Portugal. A cidade onde mora tem mais habitantes que todo o Ribatejo. Mas ao citar Camões e ao cantar os versos da canção “Olhos Castanhos”, Marco parecia mais português do que eu, mais apaixonado por Portugal que o português que o visitava.
Deixei-o já com o sol a pôr-se na praia de Pujaçara e regressei ao hotel para me preparar para uma noite de leitura. O reencontro numa livraria de um centro comercial numa tarde de domingo proporcionou mais uma longa conversa onde José Saramago foi pretexto para outras viagens pela cultura portuguesa e paixão pelos livros e pela música. Antes de um último abraço quis saber mais sobre a sua vida de comerciante de livros usados: Não tem nada que saber, disse-me, a sorrir; “a viúva é a padroeira do alfarrabista; O resto você já sabe; e está com sorte por me ter encontrado numa fase da vida em que não bebo”.
JAE

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Tempestade

“As traseiras das nossas casas são as nossas tartarugas”. Não sei se isto diz alguma coisa aos leitores desta coluna mas foi a única frase que restou de um caderno de apontamentos de 2013 que está agora algures numa lixeira do outro lado do Atlântico. 2013 deu três cadernos de apontamentos de assuntos profissionais e de pequenos apontamentos literários que me dou ao luxo de produzir quando não tenho mais nada para fazer.
Deitei fora muita conversa de empresário pois 2013 foi farto em encontros com gente do empreendedorismo. Alguns apontamentos em inglês que é língua que não falo e gostava de falar de forma a fazer-me entender. Foram para os anjinhos do cesto dos papéis notas sobre trabalho que davam um livro; “a banca esfalfa-se para emprestar dinheiro mas todos disputam os cerca de 20% dos empresários portugueses que lhes dão confiança. Os outros ou têm garantias reais ou lixam-se”. “Isto é um assalto”, disseram os empresários que saíram em defesa dos seus camaradas apanhados em incumprimento com as Finanças que lançam juros impensáveis a quem se descuida ou o negócio corre para o torto.
“A tecnologia está a esculpir o jornalismo de outras formas que surpreendem”. “Notícia boi que é aquela que a gente acaba de ler e diz mmmuuuuuuhhhhh!!”. A informação tornou-se uma coisa banal e criou a sensação que nós já não precisamos dela”. Ainda sobre a realidade do jornalismo em Portugal: “os jornais nunca tiveram tantos leitores mas também é verdade que nunca tiveram tão poucas vendas”.  
“Os trovões são a poesia do céu”, disse o cabrão para a miúda que estava em casa enquanto ele andava na gandaia por locais onde não se ouviam trovoadas e nem sequer chovia” - excerto de um romance ainda por publicar de um escritor que me pediu o favor de uma leitura critica e que não é o Moita Flores. JAE

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A Europa das Regiões

Sou um europeísta convicto. Não percebo esta gente que não gosta da Europa e viaja todos os anos para Paris; manda estudar os filhos nas grandes universidades europeias e só se lembra dos tempos em que estudava francês e tocava piano. Acredito numa Europa a uma ou a várias velocidades e não me embaraça ter que admitir que vamos continuar por muitos anos a ser o país que vai na cauda; o importante é que aprendamos a lição de todos os dias e nos juntemos aos melhores;
Em Maio de 1968 os jovens saíram à rua e lutaram por uma sociedade mais livre e justa; por mais generosidade, humanismo e cultura. Passaram quase 50 anos e os jovens começam a voltar às ruas em protesto, pedindo o direito ao trabalho que lhes permita uma vida digna; já não há lugar para a defesa da liberdade sexual nem das ideologias de esquerda. Agora tudo se resume à falta de trabalho e de condições iguais na doença e na velhice. Entretanto as grandes empresas migram para países onde a mão-de-obra é muito barata; até para alugarmos uma estadia em Madrid já só precisamos de falar para um call center sediado na China ou na Índia.
Sou um europeísta convicto mas não sou parvo. E acredito que para termos uma Europa com futuro ou os políticos mudam de agulha ou vamos ter que fazer outra revolução. Portugal desta vez pode dar o exemplo se entretanto a Grécia não se adiantar ou a juventude francesa não voltar a puxar dos galões.
Enquanto na maioria dos países da Europa as escolas se enchem de crianças filhas de emigrantes, nas empresas e na vida pública dos países mais ricos os emigrantes, pais dessas crianças, são os novos escravos. Basta olhar para a realidade portuguesa para percebermos quem é que trabalha atrás dos balcões das empresas de serviços e quem são os novos cantoneiros.
Apesar da dura realidade sou dos que acreditam que a convivência é possível e desejável; que a Europa ainda é o melhor lugar do mundo para construirmos uma sociedade mais justa e igualitária. Por mim iniciava o ano de 2014 com uma revolução nas ruas obrigando os governos europeus a criarem leis que não permitissem que o sistema financeiro dos vários países da Europa funcione como um casino sem regras.
P.S. E o que é que tudo isto tem a ver com o jornalismo de proximidade que O MIRANTE pratica? A defesa das regiões e a sua identidade cultural dependem em grande parte do êxito da política europeia que só funcionará se tiver em conta as identidades regionais de cada país. JAE